A prática desportiva, sobretudo a de alta competição, tem vindo cada vez mais a acarretar para os atletas, níveis cada vez mais elevados de pressão competitiva, “forçando-os” a apresentarem-se de forma cada vez mais capaz e intensa nas competições desportivas. Desta forma o surgimentos de lesões desportivas tem vindo a aumentar, acompanhado da maior pressão que é colocada sobre os profissionais de saúde, para que mais rapidamente os recuperem, para os desafios nos quais estão envolvidos.

A dor é em si mesma um sinal de alerta do organismo de que algo não está conforme previsto, para que haja da parte humana uma intervenção comportamental com o objetivo de voltar a alcançar o equilíbrio. A dor, independentemente de ter razões teciduais ou provir de fatores cognitivos ou emocionais é sempre processada a nível cerebral, proveniente dos sensores existentes na nossa “parte física” do corpo. Estes ao sofrerem um qualquer tipo de traumatismo, enviam informação detalhada acerca do ocorrido, através do nosso sistema nervoso central, para a nossa “parte mental”. Como tal qualquer processo de intervenção para recuperação de lesão desportiva, em simultâneo com a pertinente intervenção médica, pode e deve contemplar um trabalho efetivo, no local da ocorrência, isto é, a nível mental, através do fornecimento de competências psicológicas.

Tudo o que acontece a nível cerebral, determina um conjunto de respostas e consequências orgânicas em termos físicos…tudo o que sucede no organismo em termos físicos, é avaliado/interpretado/significado, numa estrutura humana, o cérebro! Prova cabal desta evidência são as lesões teciduais que podem ocorrer sem existência de dor, como acontece nos processos degenerativos da espinal medula, bem como na insensibilidade congénita à dor. Outra destas razões fatuais prende-se na verificação da dor mesmo na ausência de lesão tecidular como acontece no caso dos membros fantasma. De salientar ainda que os processos psicológicos distorcem frequentemente a relação existente entre lesão tecidual e dor, através da sobrevalorização que é feita da dor – Dor é factual – Sofrimento é Mental (dor orgânica vs psicogénica).

Numa abordagem cognitivo comportamental, a Psicologia do Desporto designa tudo aquilo a que chamamos “viver” como uma relação intrincada deste quarteto: Pensamentos  – Emoções  –  Sentimentos  –  Comportamentos. Se não, vejamos como exemplo. Um jogador que no início de um jogo/treino tem o seguinte Pensamento  (hoje existe maior risco de me lesionar, pois o adversário é fisicamente muito mais poderoso que nós) – isto despoleta automaticamente uma (s) Emoção (ões)  (como medo, ansiedade e/ou insegurança) que é a resposta do organismo ao estimulo percepcionado. De imediato o organismo emite um sinal de alerta e tomada de consciência, o qual se designa por  Sentimento  (expresso por um aumento de pressão arterial, da sudação, existência de palpitações cardíacas, verificação de tremores, entre outros) e o organismo determina e comanda uma ação com vista à sua segurança e preservação chamada Comportamento  (o jogador para não se aleijar vai disputar os lances com menor determinação, poder e resistência física, e estando mais frágil escancara, neste momento, a porta de entrada da lesão.

Image by Tania Dimas from Pixabay

Quanto à intervenção podemos distingui-la em duas vertentes separadas. Por um lado a componente física e mental e por outro uma perspetiva mais fisiológica. Na primeira existem técnicas muito eficazes como o biofeedback ou o próprio relaxamento corporal, que apresentam ainda melhores resultados quando combinadas com as técnicas da vertente mental. Nesta segunda, técnicas como a visualização mental, a desatenção imaginativa, transformação imagética, transformação contextual, divergência interna/externa da atenção e somatização, aplicadas às seguintes vertentes, são excelentes ferramentas para a “mochila” do atleta:

Ansiedade  – Estudos indicam-nos a evidente correlação entre a existência de maiores níveis de ansiedade com maiores níveis de dor;

Expetativas  – É o conhecido efeito placebo. Diversos estudos apontam para níveis muito elevados de correlação entre a tomada de substâncias não medicamentosas/analgésicas e a diminuição ou alívio da dor.

Interpretação de Sintomas  – O mapa mental, isto é, a forma como atribuímos significado a tudo e a todos que compõe as nossas experiências de vida, constituem-se como os nossos guias de atuação cerebral, à semelhança dos mapas das estradas. A existência de uma nova lesão vai ser sempre avaliada/entendida/interpretada, à luz do conceito, do constructo, isto é, do mapa mental do indivíduo, da sua representação mental ou imagem cerebral;

Auto-eficácia  – A “esperança”, atitude com que enfrentamos a situação de lesão condicionam brutalmente a eficácia na recuperação. A auto-eficácia é sem dúvida a via mais comum de interpretação, rotulagem, modelação e de estratégia cognitiva para lidarmos com a dor.

Perceção de controlo  – Locus de controlo interno, isto é, a certeza de que a recuperação da lesão depende eminentemente da minha gestão cognitiva e emocional, e que não está entregue a fatores que não posso controlar, exteriores a mim, determina uma enorme mais-valia na eficácia de recuperação da lesão desportiva;

Suporte Social  – O Ser Humano é social por natureza. Como tal uma rede de suporte (familiar, social e profissional) contribui determinantemente para a eficácia na recuperação de lesão do atleta.

Comportamento  – Treino psicológico ao nível de competências comportamentais do dia-a-dia do atleta como sejam as suas rotinas os seus hábitos, podem revelar-se igualmente decisivas na forma como o atleta se vai posicionar perante a lesão.

Efetivamente e tendo por base todas estas possibilidades e vantagens na intervenção psicológica na lesão desportiva, como é compreensível que esta não seja ainda uma área perfeitamente aceite e integrada nas estruturas dos clubes e entidades desportivas? Várias razões poderiam ser elencadas, desde os fatores de escassez de tempo para este trabalho, aos económicos na contratação dos melhores profissionais. Ambas caem por terra, pois as complexidades inerentes aos fatores psicológicos envolvidos nas lesões e a necessidade de ajustarmos as técnicas psicológicas a cada caso não se compadecem com esta inação. É, por isso tempo, numa altura em que cada vez mais a noção de que os diferentes ramos das ciências do desporto contribuem para a melhoria do rendimento desportivo, dar a devida compreensão e reconhecimento a esta área humana, para possibilitar e estimular a devida e tão pertinente intervenção sobre o “lado mental das lesões”.

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