Lesões, lesões e mais lesões… Ainda vale a pena continuar a lutar pelo que mais gosto?

Este sub-título vai tentar ilustrar tudo aquilo que vou escrever. Ou seja, a importância que um momento mais negativo tem na nossa vida e nos torna ainda mais fortes do que por vezes imaginamos, que nos torna, sobretudo, pessoas com maior capacidade para lidar com as adversidades. Irei dar ênfase aos atletas mais novos, onde há uma margem de progressão maior e onde o sonho de se tornarem jogadores profissionais se vai alimentando com maior frequência. Irei, ainda, dar um exemplo de um caso de um jovem de 15 anos, com o qual realizei um trabalho enquanto psicólogo do desporto, em fases distintas da sua recuperação. Ou seja, durante a reabilitação, quando se começa a fazer o “transfer” para o campo e no pós, quando o atleta começa a treinar com os companheiros.

É importante salientar que uma lesão faz parte da vida de um atleta.

Saber gerir essa lesão é que é uma das maiores superações do atleta.

Quando falamos em lesões, as quais obrigam a uma intervenção cirúrgica e a uma paragem prolongada da atividade desportiva, ou mesmo só esta última, sem recorrência à cirurgia, idealizamos maioritariamente a parte mais negativa. Questionamo-nos acerca da recuperação do atleta e surgem perguntas como:

“Ei, aquele miúdo ainda tão novo e já foi operado 3 vezes ao joelho. Ainda vale a pena continuar a insistir?”. “Coitado, logo agora que estava numa fase tão boa acontece esta rotura de ligamentos”. “Com esta lesão vai ser mais complicado chegar lá cima, pois ele já tem 18 anos, não é verdade?”.

Os discursos internos, muitas das vezes, são de caráter negativo face ao tema. Olhamos para a lesão como dor, frustração, indignação, problemática (…). E, muitas das vezes, olhamos essa mesma lesão como influenciadora negativa do nosso sonho (ser jogador profissional).

Agora questiono: faz sentido ter este tipo de pensamentos? Claro que sim! O atleta quer ser melhor. O atleta fica chateado por não praticar o que mais gosta. O jovem de 18 anos começa a perceber que a sua mudança para sénior se pode complicar. Como este, existem tantos outros tipos de pensamento que pode surgir face a esta problemática. É importante, também, salientar, que cada caso é um caso!

Irei agora focar-me mais numa fase de formação do atleta (podendo, também, identificar jogadores com maior experiência, ou seja, seniores). Será que não estamos a desenvolver competências de extrema positividade através das dores, angústias, frustrações, noites mal dormidas (…) provocadas pela lesão? SIM, ESTAMOS! Poderemos não estar a desenvolver o aspeto físico, o aspeto técnico e tão pouco o tático. Mas podemos ser muito mais fortes em termos mentais.

O jovem de 15 anos, o qual identifiquei anteriormente, é jogador de futebol. Ele alimenta-se de um dia ser profissional do desporto-Rei. Sonha viver deste jogo, de ser reconhecido e trabalhar no que mais ama. Este menino (e reforço que para além de um atleta HÁ um ser humano ainda bastante jovem) estava numa fase em que era sub-15 (Iniciados), mas já treinava e jogava com os sub-17 (Juvenis).

Encontrávamo-nos na fase de apuramento de campeão e o rapaz era uma esperança para o clube, sendo um dos principais referenciados para chegar à equipa principal. No primeiro jogo da fase identificada, o jovem tinha feito 2 golos e a sua equipa ganhava por 3-1. Eis que chega o minuto 60 e o atleta é alvo de uma falta por parte de um adversário e sofre uma lesão muito grave.

A bancada, nos momentos após a falta, encontrava-se em choque. Família, amigos, agente desportivo, colegas (…), tudo estava apreensivo. O atleta, dias depois, diz-me que vai ter que parar cerca de meio ano. Ou seja, isto implica não jogar o resto da fase de campeão de Juvenis, onde não se poderá mostrar/vender no terreno de jogo e ter os holofotes sobre si, e também, não fazer a pré-época seguinte e início da mesma.

As primeiras mensagens por parte do jovem foram as seguintes: “Acho que vou desistir do futebol, isto foi muito mau e acho que o sonho termina aqui”. Mensagens de indignação, raiva, frustração (…), onde o papel do psicólogo, nesta fase, passa pela EMPATIA (e não simpatia). Sentir-me na posição do outro.

Coloquei-me à prova e incuti para mim mesmo. “Não vou deixar que este miúdo desista do seu sonho”. Fui fazendo o acompanhamento natural do processo e num breve resumo, trabalhou-se a formulação de objetivos, ajustamento de expectativas e o seu controlo de pensamentos, ajustando-se estes ao seu melhor discurso interno positivo.

O miúdo não queria mais jogar, não queria saber mais do futebol, mesmo ainda estando numa fase precoce da sua lesão. Mas sendo psicólogo, agente, pai (…), temos que ser sempre o suporte destes futuros craques e não os podemos “deixar cair”.

Por vezes, e os atletas ainda sendo jovens, não percebem o quanto enriquecem por passar por uma situação tão dolorosa. Têm noção do quão resilientes vocês se estão a tornar? Têm noção do quão superantes se estão a tornar? E a longo prazo? Se a vida de um atleta é feita destas “partidas”, será que não irão estar muito mais preparados caso aconteça novamente?

Não haverá um melhor ajustamento de expetativas face aos objetivos (neste caso do jovem de 15 anos, ao seu sonho)? Com ideias mais claras e mensuráveis. Com as metas mais bem delineadas (…).

Esta dor até pode ser assustadora e ser mais problemática do que se pensa, mas agora sei que tenho mais recursos para enfrentar o que vier!

A antecipação de acontecimentos ajuda o atleta a preparar-se mais eficazmente. E para além da dor, é importante salientar, que estamos a otimizar outro tipo de competências. O jovem não desistiu. A responsabilidade foi dada ao atleta, pois ninguém conhece melhor o próprio corpo que o mesmo. O TER UMA BOA BASE DE SUPORTE FAMILIAR foi fundamental para devolver a confiança durante o processo de recuperação e ajudar o jovem a focar-se no seu objetivo, mesmo tendo aquela situação menos positiva.

As pressões externas não podem existir. Por vezes, há situações que não dependem de nós, que nós próprios não conseguimos controlar. Algumas lesões são parte disso. A boa alimentação e o dormir bem também foram cruciais na recuperação.

Quando existe o “transfer” para o campo, após uma recuperação feita de muita superação, o atleta tem que estar focado e perceber que não consegue estar ao mesmo ritmo que o colega. É neste ajustamento de expectativas que pais, psicólogos, treinadores, agentes (…) são fundamentais. O processo terá que ser cuidado e de forma bem estruturada, ou seja, sempre “passo a passo”. Preferível devagar e bem, do que depressa e mal!

Poderia escrever muito acerca da influência mental deste tema das lesões. Mas acho que o importante a reter é o seguinte:

A lesão fará sempre parte da vida de um atleta. Independentemente de não estar a competir no aspeto técnico, tático e físico, e haver mais atletas para o “substituir”, é importante salientar que o atleta está a ser mentalmente muito mais forte do que era.

“Não é como começa, mas sim como acaba”

Fonte: Iury Leal – ZeroZero

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