A minha história no futebol começou quando o meu filho, então com 9 anos, acordou um certo dia e disse: “Pai, quero ir para a escola de futebol!”

Ele era um menino “caseiro”, não tinha o hábito de andar a brincar na rua, por isso considerei aquele pedido um pouco sui generis. Como pai, que só queria ver o sorriso no rosto do seu filho, decidi fazer a sua inscrição na dita escola.

Finalmente, chega o “grande” dia. Ainda estou a trabalhar, mas com muita ansiedade. Passo o dia a olhar para o relógio à espera que chegue a hora de o ir buscar ao ATL e levá-lo ao seu primeiro treino.

Chegou a hora, peço para sair mais cedo e vou ao seu encontro. Aparece à porta, com um sorriso largado e um brilho nos olhos que jamais esquecerei. Foi aí, nesse breve momento, que comecei a perceber o efeito anímico que o futebol gera nas crianças. Fiquei logo apaixonado!

Vamos muito animados e eu começo, desde logo, a dar dicas, mesmo não percebendo nada das técnicas…

Chegamos! Ele, todo entusiasmado, segue em direcção ao balneário e, eu como pai “galinha”, queria ir ajudá-lo. Contudo, fui interrompido pela seguinte expressão amigável do treinador: Desculpe, tem de aguardar na bancada porque o balneário é só para os jogadores e treinadores.” (1ª. lição – Respeitar as normas do clube). Saio daquela zona exclusiva, desanimado, e com esta questão no pensamento: “Será que ele se desenrasca?”

Começa o treino. Tento perceber qual a posição que ele joga e vejo-o como avançado.

“Boa! Vai marcar golos e dedicar-me…!”

Como nunca tinha brincado com qualquer bola ou praticado outro desporto, denotava-se a sua falta de jeito e alguma descoordenação motora. Corre, corre, mas a bola não lhe chega aos pés e, quando chega, despacha-a logo com medo de a perder.

Termina o treino e ele vem muito FELIZ! Ao tentar fazer o meu papel de treinador de bancada, começo logo a encharcá-lo de correcções. Imediatamente, ele responde:

“Pai, quem sabe é o mister!” (2ª. lição – Não interferir com as instruções dos treinadores)! A alergia dele baseava-se apenas no seguinte: “Pai, vens trazer-me ao próximo treino?”

O tempo passava e fui-me apercebendo de que “a carreira de futebolista” iria passar-lhe ao lado, mas o mais importante, eram as amizades criadas e a alegria constante que o seu rosto transmitia.

Quero agradecer aos Misters Zé Pedro, Zé Mário e Márcio por todos os princípios instruídos, quer de desportivismo, de amizade, quer de trabalho de equipa.

Havia, ainda, muito para contar nesta fase, mas o importante e o que ficou para o futuro foi toda a aprendizagem do papel como pai de um atleta.

Com 12 anos, ele queria mais e foi então que se deu a grande mudança. Chegou junto de mim e disse: “Pai, quero jogar a sério, quero entrar nos Cracks Clube de Lamego.” Rapidamente dei-lhe uma resposta com o pessimismo a dominar: “Filho, nesse clube apenas jogam os melhores e tu não tens jeito para o futebol. Eles escolhem e podes ser excluído!” Lá estava eu com o protecionismo exagerado. Ele vira-se com aquele olhar retraído pelas minhas palavras e diz: “Pai, não importa. Eu esforço-me nos treinos e pode ser que, mesmo não jogando, me deixem treinar. Eu vou ficar!”

Olhei-o fixamente e não encontrei aquele brilho resplandecente que sempre transmitia quando ia para os treinos. Foi então que reparei que as minhas observações estavam a influenciar as suas ações (3ª. lição – Não desvalorizar, não transmitir fracasso e não fazer de juiz quando o sonho do nosso filho deixa de der ser o nosso sonho). Sem mais hesitar e opinar, rapidamente respondi: “Ok, filhote. Vou falar com o coordenador.”

Sem perder tempo, entrei em contacto e logo me disseram: “Sim, Sr. Rogério, leve o miúdo já no próximo treino que vou falar com o treinador do escalão (Sub13) e fique descansado que ele não será excluído. O clube não tem por hábito excluir nenhum miúdo. Apenas queremos que se dediquem e que tenham paixão pelo clube. No caso de não jogar, compete a si fazer-lhe ver que tem de trabalhar mais e não desistir” (4ª. lição – Os clubes e toda a sua estrutura têm como objectivos o plano desportivo e ao mesmo tempo a formação com várias ramificações tanto na área da saúde como na cívica).

E assim começou a nossa segunda fase. Sempre que a vida profissional me permitia lá estava eu a assistir ao treino. No meu canto, sem conhecer ninguém, aos poucos fui-me aproximando e criei novas amizades. O desenvolvimento desportivo do miúdo era muito frágil e eu desligava-me um pouco do seu trabalho, pois desconhecia todo o ambiente e estava reticente quanto ao seu futuro dentro da equipa. Pela forma com os pais falavam dos outros atletas e pelo que via nos treinos, o miúdo jamais iria conseguir. Foi então que decidi colocar o meu foco, como pai, apenas no seu bem-estar dentro do grupo e na sua contínua motivação para trabalhar sem desistir.

Quando chega a primeira convocatória, ele fica de fora. “Filho, não desanimes, pois só agora começaste…” Ele com aquele olhar de brilho intermitente respondeu: “Pai, podemos ir ver o jogo dos amigos?

Sem hesitar, a resposta foi um sim expressivo e logo reapareceram os traços de felicidade no seu rosto (5ª. lição – Se queremos que os nossos filhos tenham o espírito de equipa, devemos mantê-los sempre por perto).

As convocatórias saíam e ele não era convocado, mas sempre fizemos questão de acompanhar a equipa, quer fosse o jogo em casa quer fosse fora. No horário de saída, lá estávamos nós prontos para apoiar. Eu também já fazia parte do próprio grupo e todos viam-me como tal.

Numa determinada convocatória, o Mister chamou-o e disse perante todos (informação dada pelo treinador): “Miúdo, estás convocado para o jogo. Ainda não atingiste o patamar dos teus colegas, mas a tua dedicação é meritória de recompensa. És um exemplo para todos.” Ele, todo feliz, corre ao meu encontro e diz cerrando o punho: “Pai, fui convocado!!!”

Entra no carro e foi o caminho todo a digerir tamanha felicidade sem dizer uma única palavra. Sentia-me igual, pois toda a minha postura perante todos e perante as suas dificuldades estavam a ser recompensadas.

Nesse jogo, marcou 2 golos, mas não vibrei de maneira diferente dos outros marcados pelos colegas. Já não olhava apenas para o meu filhote, olhava para todos.

Estava na bancada e ele estava em campo, mas estava bem entregue e em segurança (6ª. lição – Nós pais não podemos olhar apenas para os nossos filhos, temos de olhar para todos os atletas e equipa técnica como um só, pois eles passam a ser nossa família também).

Naquele momento perdi todas as reticências e deixei de sonhar por ele, passei apenas a fazer parte daquela família.

As derrotas e as vitórias também eram minhas. ESTAVA SEMPRE PRESENTE E DE UMA FORMA POSITIVA!

Agradeço ao Mister José Gomes e aos pais desse escalão por tudo o que aprendi e pela forma como me receberam. (7ª. lição – Aprendi que, com respeito, com amizade e com companheirismo entre todos, o grupo torna-se muito mais forte).

E foi assim que surgiu o convite para ser director desportivo!

Este texto não é uma pretensão para “dar lições de moral” a ninguém, pois todos sabemos que o ser humano tem a sua personalidade própria. Contudo, se este testemunho servir para uma reflexão, mesmo que breve, já é uma grande ajuda e serviu o meu propósito.

1 Comentário

  1. Helena Pereira
    3 Abril, 2018
    Responder

    Um texto muito agradável de ler e para interiorizar…. era tudo mais simples na Formação de Atletas…

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