“Hoje o resultadismo é moda, inclusivamente na formação e é uma tristeza quando as pessoas se agarram só ao resultado final, aos dígitos que estão em cima, e mesmo quando as equipas perdem, não olham como as equipas jogam.

Imaginem que a gente hoje não ganha este jogo aqui, porque falhámos 3 ou 4 golos, não tivemos bem na finalização, mas estivemos muito bem na construção, estivemos quase sempre muito bem nos equilíbrios, mas imagine que nós empatamos aqui o jogo ou que até perdemos por 1-0, por exemplo. O que é que se ia dizer destes jogadores e do trabalho do coletivo que está aqui a ser feito? Porque os dígitos é que mandam. E na formação os dígitos não mandam e enquanto as pessoas não meterem isto na cabeça… as pessoas pensam que o Diogo Gonçalves, o Rúben Dias, o Bernardo Silva, o Gonçalo Guedes, entre outros, chegam à 1ª equipa como? Só ganhando? Só pensando em ganhar? Não é nada disso. Portanto, aquilo que eu me agarro enquanto treinador de formação é a qualidade que estes jogadores aqui demonstraram contra o Sporting Clube de Portugal que é Campeão Nacional neste escalão.

Sem medo de assumir, sem medo de ter a bola, é verdade que estávamos em casa, mas o fator casa na formação vale pouco. Temos os nossos adeptos que valem muito. E nós jogaremos assim sempre, porque achamos que é assim que formamos melhor os nossos jogadores, é desta forma, assumindo, jogando por vezes no risco, colocando muita gente em zonas de finalização, colocando muita gente nos corredores para que possamos jogar no coração e no centro da equipa adversária…é esta a forma que nós temos de preparar jogadores para o alto nível. E eu não sei preparar jogadores de outra forma.

É evidente que se nos expomos mais, se assumimos mais, obviamente, às vezes, como aconteceu hoje, o Sporting num ou outro lance que foi à baliza, e não foram muitos, e se o Benfica mete aqui as oportunidades que tem, secalhar tínhamos feito um resultado, de certa forma, volumoso, histórico e não muito normal para um dérbi.

Eu vou para casa com isto, porque esta é a mesma equipa que perdeu com o Estoril, e esta é a mesma equipa técnica, e esta é a mesma equipa que teve 10 jogos consecutivos a ganhar e a jogar bem e que perdeu o jogo com o Estoril. É a mesma equipa que fez aqui esta demonstração de jogo, de qualidade e de poder frente ao Sporting Clube de Portugal que é campeão nacional de sub-17.

Enquanto olharmos para os dígitos e estivermos agarrados aos dígitos na formação, o processo está completamente invertido.

Volto a dizer e repito, hoje é um prazer brutal ver o Rúben Dias, o Diogo, o Renato, o Guedes e muitos outros na nossa primeira equipa. Não chegam lá se nós pensarmos só em ganhar. E eu quando penso no Benfica, sinceramente, desde os meus 6/7 anos, se quiser arranjar um sinónimo para a palavra Benfica, o meu sinónimo é ganhar.

Nós queremos todos ganhar, ninguém sai de casa para querer perder, temos é que perceber que isto é um jogo de 80 minutos e há processos a serem trabalhados e que por vezes, com o processo bem feito, podes não ganhar. E muitas das vezes, quando o processo não é tão forte, podes perder. Enquanto as pessoas não fizerem avaliações estruturadas sobre aquilo que é o processo e viverem do resultadismo, na formação, completamente errado! Pelo menos, grandes exemplos da Europa dizem perfeitamente o contrário.” Fonte Entrevista: BTV

A entrevista transcrita em cima, foi protagonizada por Renato Paiva, atual treinador dos Sub-17 do Sport Lisboa e Benfica e retrata para um paradigma muito questionável hoje em dia no futebol de formação, assente no princípio de formar ou ganhar. Quero com isto dizer que estamos inseridos numa sociedade muito resultadista, que olha para a vitória numérica como “bom trabalho realizado” e para a derrota numérica como “mau trabalho realizado”, “o treinador que não percebe nada”, “o clube que não presta”, entre outras críticas.

No entanto, e na minha perspetiva enquanto treinador da formação, penso que uma derrota não signifique que o trabalho não esteja a ser bem feito, aliás, qual é a verdadeira importância de em 20 jogos nos Traquinas ganhar os 20 e ser campeão desse escalão, por exemplo? Não quero também com isto dizer que a vitória não é algo importante na formação, porque tal como Renato Paiva disse, “nós queremos todos ganhar, ninguém sai de casa para perder”. A vitória é o principal objetivo aquando a realização de um jogo, mas há outros fatores adjacentes ao jogo, fatores esses que passam pela formação do atleta, pela vivência de experiências que irão dar bases para o futuro e, sobretudo, pelo prazer que o jogo transmite.

Há uma velha expressão que diz: “Algumas vezes tu ganhas e, algumas vezes tu aprendes”. Tentando perceber a lógica desta afirmação, penso que seja mais fácil trabalhar sobre vitórias consecutivas e constantes, pois o ambiente é mais motivador, e parte-se do pressuposto que se há vitórias, há bom trabalho a ser feito e, por vezes, a vitória não significa que o trabalho esteja a ser bem feito. No entanto, trabalhar sobre derrotas há muita aprendizagem, aprendizagem esta por parte dos treinadores, dos atletas e de todo o meio envolvente, pois a derrota vai permitir corrigir situações que estão a potenciar a mesma e vai permitir aos atletas desenvolverem uma capacidade de superação e resiliência perante esta derrota. E a derrota não significa que o trabalho não esteja a ser feito ou bem feito, significa que há aspetos a melhorar e outros a corrigir.

Se formos realizar um estudo à maioria dos atletas dos campeonatos profissionais, pouco ou nenhuns serão aqueles que foram campeões nos escalões de formação, no entanto, chegaram à elite através do bom trabalho realizado pelas equipas técnicas, pelos conhecimentos adquiridos e pelas experiências vividas. Portanto, pais, apoiantes, dirigentes, amigos, não julguem uma equipa ou um treinador por perder todos os jogos na formação, pois o mais importante nestas etapas de desenvolvimento é a aquisição de conhecimentos e a aquisição de bases para potenciar o desenvolvimento dos atletas para que estes cheguem mais bem preparados ao futebol pré-sénior ou sénior.

Com isto não quero dizer que não se deva tentar sempre ganhar, ou que não se deva formar para ganhar. Quero é dizer que nos escalões iniciais da formação, o resultado numérico não será tão importante como a formação integral do atleta.

O ideal será formar os atletas sobre vitórias, pois o ambiente será mais apetecível e motivador, no entanto, se isto não for possível, o importante será dar aos atletas as bases necessárias para se tornarem melhores jogadores e melhores pessoas no futuro. Dando-lhes estas tais bases, acredito que as vitórias numéricas vêm por acréscimo.

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  1. […] Por Pedro Pinho para Futebol de Formação […]

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