Treinar é essencialmente um processo de comunicação, que implica saber comunicar e interagir com os atletas – Martens, 1999

Por estes dias, é consensual que o processo de comunicação que o treinador estabelece com os seus atletas assume-se como um elemento fundamental na eficácia da relação que se estabelece entre ambos. A comunicação é uma ferramenta poderosa que todos os treinadores têm ao seu dispor, com forte impacto no cumprimento dos seus objetivos, pelo que é extremamente útil que a saibamos utilizar da melhor maneira. A forma como o treinador comunica com os seus atletas influencia, desde logo, a forma como estes comunicam com o seu treinador. Influencia a motivação dos atletas, a sua predisposição para treinar e a coesão da própria equipa. No futebol/futsal de formação, a forma e o conteúdo deste processo de comunicação irá influenciar também o gosto e o interesse dos jovens pela respetiva modalidade.

Todavia, a comunicação é um processo complexo, cuja eficácia depende de diversos fatores, entre os principais, a fonte (treinador), o modo como comunicamos e o recetor (atleta). A partir do momento em que o treinador entra no pavilhão ou no campo já está a comunicar, mesmo que os atletas ainda não tenham pisado a quadra ou o relvado (com a hora a que chega ao treino, com aquilo que já preparou para o treino, etc.). Ou seja, é impossível não se comunicar. Desta forma, todo conhecimento que os treinadores tenham acerca desta temática torná-los-á melhores formadores, melhores líderes e, consequentemente, melhores treinadores.

Em termos genéricos, os treinadores podem utilizar dois tipos de foco na sua comunicação com os atletas: foco positivo e foco negativo. O foco positivo caracteriza-se por recompensar os comportamentos adequados dos atletas, com o objetivo de que estes se produzam com maior frequência no futuro. O foco positivo parte do pressuposto de que todos os comportamentos que são valorizados e reforçados são aprendidos. Por seu lado, o foco negativo tem como objetivo eliminar os erros e os comportamentos não adequados dos atletas através da crítica ou do castigo. O foco negativo parte do pressuposto de que os atletas que cometem menos erros são aqueles que ganham.

Logicamente, ambas as abordagens são legítimas e todos os treinadores as utilizam nalgum momento da sua prática, tanto em treino como em jogo. No entanto, a utilização com maior frequência do foco positivo trará melhores resultados. Neste sentido, seguem-se algumas dicas catalisadores de relações positivas entre treinador e atletas.

A utilização da palavra “não”

A nossa mente inconsciente não consegue processar adequadamente sugestões que envolvam negações como “não faças”, “evita”, etc. A melhor forma de compreender as vantagens de utilizar alternativas ao uso da palavra “não” é o clássico exemplo do “elefante amarelo”. Se lhe disser: “não pense no elefante amarelo”, invariavelmente, o seu cérebro ativou a imagem de um elefante amarelo e só depois de descodificar a mensagem pensou numa alternativa ao elefante amarelo. Por outro lado, se lhe disser “pense no elefante azul”, o seu cérebro ativou a imagem desejada do elefante azul.

Neste sentido, em contexto de treino ou jogo, o feedback dado pelo treinador deverá ser reduzido, oportuno e positivo. Se o objetivo do exercício é que o atleta receba a bola maioritariamente com a sola do pé e o atleta recorre, sem necessidade evidente, à parte interior do pé para efetuar a receção, a tendência do treinador seria dizer algo do género: “não quero que recebas com a parte interior do pé”. No entanto, a eficácia do feedback do treinador sobre o comportamento do atleta será consideravelmente maior se este for traduzido por: “recebe a bola com a sola do pé”.

Feedback sanduíche

Trata-se de uma das melhores técnicas para o treinador dar adequadamente feedback à sua equipa e é usado principalmente quando temos de corrigir um comportamento ou atitude do atleta e não é conveniente recorrer a uma alternativa como foi sugerido no ponto anterior. O Feedback Sanduíche é composto por três passos, utilizando literalmente a analogia a uma sanduíche com o recheio principal/comportamento ou atitude a corrigir no centro da sanduíche/conversa:

  1. Elogiar

Comece por falar sobre algumas coisas que o atleta tenha realizado de forma correta anteriormente. Quanto mais específico for, mais e melhor impacto terá. Por exemplo: “Gostei da atitude que apresentaste no último jogo e da forma como motivaste o teu guarda-redes quando sofreu o golo, ajudou-o a melhorar o seu desempenho”. Isto tem por objetivo reforçar o que eles já estão a fazer bem, mas, ao mesmo tempo, preparar o terreno para as sugestões/correções que se seguem. Quando nos elogiam, normalmente, ficamos mais recetivos à conversa que segue.

  1. Sugerir

Neste momento da conversa, com o atleta mais recetivo, pode introduzir o conteúdo principal e o comportamento ou atitude que quer corrigir. Por exemplo: “no entanto, quando o teu colega falhou o golo em frente à baliza gritaste com ele, o que o deixou menos confiante e o levou a cometer mais erros durante o resto do jogo… da próxima vez que acontecer algo semelhante, encoraja ou aconselha o teu colega para que ele faça golo na jogada seguinte”.

Aqui, é importante que o foco seja dado numa sugestão/correção de cada vez, para que o atleta possa canalizar toda a sua atenção para o que lhe estamos a dizer. Se lhes dermos muitas sugestões ao mesmo tempo, provavelmente terá dificuldade em colocá-las todas em ação.

É importante também, como já foi referido, dar-lhes sugestões/correções alinhadas com o que queremos que eles façam de diferente e não focadas na forma como estão a fazer as coisas erradas.

  1. Reforçar globalmente

Por último, conclua com um comentário de apreciação global, para que o atleta se sinta mais motivado para seguir as suas sugestões. Por exemplo, “no geral e à exceção deste episódio, estou contente com a tua atitude em campo e com os teus colegas”.

É fundamental ainda que todo o feedback seja completamente honesto e verdadeiro, caso contrário, o atleta aperceber-se-á disso e a sua relação de liderança ficará em colocada causa.

Foco no comportamento, não no indivíduo

Para terminar, sempre que temos corrigir um comportamento ou atitude, o foco deve ser colocado no comportamento/atitude e não no atleta que o cometeu. Por exemplo, é bastante diferente dizer a um atleta “és distraído” ou “estavas distraído naquele lance”. Quando o foco da crítica é colocado na pessoa, o feedback torna-se ofensivo e pode originar um conflito desnecessário. Caso se trate de crianças e jovens, as críticas com foco no indivíduo também poderão ter repercussões negativas ao nível da sua auto-estima e auto-conceito.

1 Comentário

  1. Ana Silvestre
    29 Março, 2017
    Responder

    Há muito que esperava um artigo sobre comunicação. Essencial para todos os intervenientes…

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