Na atualidade do jogo de Futebol são frequentes as seguintes questões: Ganhar ou jogar bem? Formar ou competir? Ter resultados ou evoluir? A tendência é optar por uma ideia em detrimento de outra, contudo cremos não ser esse o caminho. Na nossa curta experiência enquanto treinadores/formadores de jovens vivenciamos alguns episódios que nos fizeram refletir sobre estes e outros temas. Em resumo: é ou não importante incutir competitividade, espírito de sacrifício, sentido de equipa, força de vontade, entre outros valores intrínsecos a um desportista num jogo coletivo como é o Futebol?
Pois bem, hoje em dia o que se vê frequentemente são pessoas no entorno do jogo de futebol a quererem “controlar” e desvirtuar o que realmente nos parece importante para a evolução dos jogadores, tanto no futebol como na vida. São inúmeros os casos de extrema proteção – o chamado mimo – que origina que o jovem jogador não se supere e não ultrapasse as dificuldades com que se deparará ao longo da sua vida pessoal e profissional.
Por exemplo, saber gerir uma não convocatória, saber aproveitar os escassos minutos de utilização num jogo (mostrando ao treinador que em vez de 5 minutos talvez devesse ter jogado 15), saber gerir uma situação menos justa, uma incoerência, aceitar uma crítica, etc.. Neste ponto, talvez por termos tido uma educação exemplar no que diz respeito ao futebol, aprendemos desde cedo a resolver os problemas dentro do desporto. Nessa bagagem levo já 18 anos de prática enquanto jogador (o meu colega Hugo Almeida já deixou de jogar há cerca de 5 anos), e ainda hoje continuo a jogar pois o “bichinho da bola” é tramado!!! Isto permite-nos questionar, por exemplo: não será mais importante criar e fortalecer laços de amizades por onde passamos do que olhar apenas para o jogador como instrumento do futebol, visto que a maior parte dos jovens que almejam ser profissionais de futebol, na verdade, não o serão?
Na nossa perspetiva, o futebol é um meio privilegiado de preparação de pessoas para a vida. Acontece que frequentemente o treinador do futebol de formação acaba por não ver a sua competência e o seu esforço valorizado. Torna-se uma figura vulnerável neste contexto, pois na maioria dos casos são treinadores jovens e inexperientes que, apesar dos sacrifícios que fazem para estar no campo semanalmente, seja na chuva ou no frio, remunerado ou não, apresentam-se com vontade e paixão na difícil missão de ensinar o futebol a futuros craques, salvaguardando o que nos parece mais importante : FORMAR HOMENS, que sejam bons profissionais e no futuro bons pais. Sabemos que estamos a divagar se tivermos em conta o título deste nosso…. digamos assim, “desabafo”, mas queremos com isto deixar claro que acreditamos nesta forma de formar (passo a redundância), através da competição, sim, dando importância aos resultados, sim, MAS NUNCA esquecendo que mais importante que saber perder, é saber ganhar (e aí.. ui!!! Há muito que se lhe diga..). Fazer evoluir o atleta, fazer reinar um bom ambiente, saudável, competitivo, alegre e feliz. É possível!!! Eu acredito e continuarei a acreditar!!!
De acordo com esta lógica de pensamento, eu e o meu colega Hugo Almeida estabelecemos uma filosofia composta por algumas etapas e uma forma de olhar o futebol de formação.
Pirâmide do Futebol de Formação: Formação, Formação Competitiva e Competição.
Nos dias que correm, e em relação ao futebol de formação, fala-se em duas vertentes distintas: a formação e a competição. Ora bem, na nossa opinião o futebol jovem não é dividido em duas, mas sim em três componentes. A formação, a formação competitiva e, por fim, a competição.
Passaremos a explicar essas três fases:
– A FORMAÇÃO inclui a aprendizagem básica de diversos padrões motores fundamentais para a prática da modalidade como o correr, o saltar, o empurrar, etc. E também habilidades imprescindíveis para o jogo como o passe, a receção da bola, ou o remate. Outros valores também devem estar intimamente ligados a esta fase como o convívio com outros atletas, a amizade, o respeito pelas regras e o FairPlay. Apesar de várias equipas já se encontrarem a disputar os campeonatos das respectivas associações, o resultado, embora importante, não deverá ser o mais importante. Neste período devemo-nos focar sobretudo na evolução individual dos atletas. A formação deverá estender-se até aos 11 anos de idade. Infelizmente estas ideias não parecem ser implementadas em todos os contextos formativos, e é precisamente por isso que começam a existir lacunas nas fases seguintes pois a exigência é maior e os questionamentos começam a surgir por parte dos envolvidos no processo.
– Na segunda fase, e está aí o grande diferencial, temos a FORMAÇÃO COMPETITIVA. Entendemos esta etapa como ensinar ou preparar para a competição, não só com o adversário mas também com o colega de equipa. Sabe-se que na atualidade para que o jogador de futebol treine e jogue paga-se e, portanto, é exigido aos treinadores e aos responsáveis do clube mais do que o óbvio. Por outras palavras, acreditamos que uma mensalidade origina que o atleta tenha o direito ao treino e à igualdade de condições para evoluir, mas não garante que tenha que ser convocado ou que tenha que jogar. O jogador terá, como em qualquer âmbito de intervenção profissional e social, que conquistar o seu espaço através da demonstração de competências técnico-táticas, de valores como o respeito pelo outro, de espírito de sacrifício, de saber aceitar as decisões dos treinadores, de ser comprometido com a equipa e batalhar de forma saudável pelo seu lugar na convocatória ou pela titularidade. Lutar pela vitória, mas saber aceitar a derrota como forma de aprendizado.
Esta transmissão de valores preparará o atleta não só a nível desportivo mas também a nível pessoal, tornando-o num ser humano melhor e mais capaz. Não devemos pactuar com o facilitismo, o amuo, e o jeitinho para pôr este ou aquele a jogar (jogo de interesses cada vez mais presente nos clubes de futebol). Esta fase abrangeria os 12 e os 16 anos de idade.
– Por fim, tem-se a etapa da COMPETIÇÃO na sua forma mais pura, ou seja, inclui o escalão de Juniores A, no qual os atletas já deveriam almejar uma carreira desportiva. Apesar de grande parte dos jogadores ainda não receber qualquer vencimento e muitos ainda terem que pagar para usufruir da competição, nesta parte do processo exige-se um maior compromisso, seriedade e investimento por parte do jogador. Algo que surge como desculpa para o “facilitismo” por parte dos jogadores nesta fase é o facto de estarem na transição da escola para a faculdade, o que faz com que muitas das vezes o atleta não consiga conciliar ambas as tarefas. Cremos não ser uma desculpa válida pois são inúmeros os casos de sucesso escolar e desportivo de forma simultânea. Obviamente que exige do atleta um esforço maior e uma melhor organização e gestão do tempo em relação aos estudantes que não praticam desporto. É nesta parte da pirâmide que se molda o carácter e a personalidade de um jogador que terá que estar preparado para uma possível dispensa na transição para sénior, procurando então outro clube onde possa ser utilizado enquanto jogador.
O atleta júnior, no caso, deverá adquirir nesta fase uma maior maturidade e preparar-se para qualquer circunstância, como por exemplo aquecer durante 30 minutos num jogo e jogar apenas dois ou… não jogar. Deverá já entender o jogo e toda a sua dominante técnico-tática (bem como toda a bagagem adquirida nos estágios anteriores). Essa capacidade de gerir situações deste tipo terá que ser bem resolvida, isto se quiser jogar num plantel sénior.
Costumamos dizer que o futebol e o desporto são tão importantes como a escola, onde aprendemos o português, a matemática, etc.. O futebol, no caso, é um complemento que transmite valores fulcrais no processo de formação humana. O trabalho de equipa, a comunicação, a entreajuda, a amizade, o compromisso e dedicação entre outros que por vezes nos relevamos.
AUTORES:
Sem Dúvida podemos ajudar e ser ajudados e claro lapidar pedras que nos temos, Força e parabéns por relembrar certos factores referidos .
Homens, mulheres, pais, mães, futebol…desportos colectivos… Porque a linguagem também pode ser inclusiva. Bom artigo mas pode ser ainda melhor com este cuidados 🙂
Texto muito bom, sou professor em escola de ensino básico e vou usá-lo em minhas aulas de educação física…