Quero que sejam meus Pais, Não o meu treinador!


Olá Pai e Mãe.

Eu e os meus amigos falamos frequentemente de vocês, Pais!

Sempre adorastes que fossemos desportistas e se não quiséssemos sê-lo, seguramente arranjariam maneira de nos convencer. Passámos por várias etapas na nossa educação:

  • A primeira etapa quando o vosso desejo era que fossemos campeões e ganhássemos muito dinheiro.
  • A segunda etapa é a descoberta de uma estrela: “Tens talento!”, “Podes ser campeão!”; Também a das afirmações: “ouve o que eu digo, que eu sei disto”, “hoje ganhamos de certeza”.
  • A terceira etapa é a da decepção, a menos que sejamos um Cristiano Ronaldo ou um Messi. Apercebeis-vos que não somos nenhuns “monstros da bola” e rejeitais-nos como desportistas de alto nível.

Comento com os meus amigos da quantidade de pais que encontramos, em cada jogo que disputamos, nos campos distritais todos os fins de semana. Muitos exemplos e várias classes de pais:

  • Pais indiferentes: que nada sabem dos seus filhos, que pouco se preocupam, que não lhes perguntam nada, por falta de interesse ou porque estão embrenhados nos seus próprios problemas ou negócios.
  • Pais super-protectores: chatos, invasivos, que pressionam. “Gosto tanto dele que o como em abraços” (sem querer asfixiam-nos!).
  • Pais equilibrados: Intervêm o necessário, preocupam-se com os seus filhos, não fazem perguntas por eficácia e confiam nos treinadores. Pais que não exigem nem pressionam, que acompanham, que desfrutam quando vão ver-nos e que são felizes ao verificar que os seus filhos estão bem; e que graças ao desporto somam histórias para contar.

Pai e Mãe, já se perguntaram em qual estão inseridos? Quando acaba o jogo não me perguntam se me diverti, apenas “como é que ficou o jogo?”…

Este é o modelo de pai que não quero que sejas, o que pressiona, obriga, se dedica a ser o meu treinador, me chama a atenção quando erro. O que vive os meus triunfos e as minhas derrotas como se fossem suas e como se o orgulho familiar fosse posto em causa.

Gosto muito que me acompanhes todos os fins de semana aos jogos, que me vás buscar à escola e me leves aos treinos, que me compres as chuteiras que gosto e que me aconselhes. Tudo isto que fazes por mim diariamente aumenta, a cada dia, o meu amor por ti. Quero que saibas que há coisas que eu não faço porque não sei fazê-las, não porque não as quero fazer. Porque sou uma criança, Pai e Mãe. Não quero que te chateies mas não gosto que me grites da bancada ou que me ofereças dinheiro para marcar golos. Envergonho-me muito quando me dizes o que devo fazer nos jogos. Não gosto que os meus colegas e o meu treinador ouçam os teus gritos; ele já me diz o que tenho de fazer durante toda a semana. Também não gosto que grites com o árbitro, ele também não se quer enganar, não o insultes porque eu não o faço.

Ensinaram-me que todos os jogadores da equipe devem jogar, não gosto que te chateies quando me substituem. Os que entram no meu lugar são meus amigos. Isto é um jogo, Pai e Mãe!! Quero divertir-me. Eu sei que nunca me mentiste, portanto quero que te lembres de quando eras da minha idade e trates de te colocar no meu lugar. Tu sabias mesmo fazer tudo o que me pedes?

Outros pais não gritam quando os filhos falham. Não discutem com o árbitro, pelo contrário, aplaudem-no no final do jogo. Pai e Mãe,  eu quero jogar futebol porque é o desporto que eu mais aprecio e gosto de praticar. Eu sei que não sou o melhor, que não vamos ser campeões e que não vou jogar na primeira divisão; mas quero praticá-lo o máximo de tempo possível, tal como tu, ainda o fazes hoje em dia com os teus amigos do trabalho, do tempo de escola ou do futebol, também um dia quero ser jogador dos veteranos ou como vocês dizem da “velha guarda”.

Nunca me perguntaste se gostava de futebol. Desde cedo colocaste-me uma bola na frente e ofereceste-me umas chuteiras sem me consultar. Não te preocupes, tu acertaste Pai! É claro que eu gosto de futebol, para mim, é o melhor desporto que existe. Mas precisas de saber que há dias em que não tenho vontade de treinar, que por vezes estou cansado, que não me apetece jogar futebol nem aguentar toda essa pressão a que me submetes. Quero que saibas que não sou um fenómeno, que não tiveram tempo para me ensinar tudo, que falho muito, que sou uma criança a jogar um jogo de crianças. Sobretudo quero continuar a jogar futebol e quero-te sempre ao meu lado para me levares aos jogos. Quando eu for grande levo-te eu a ti.

Esta situação que eu “sofro”, em cada fim-de-semana que se disputa um jogo, também a sofrem os meus colegas de equipa, inclusive amigos de outras equipas que eu conheço. Contam-me como desde a bancada, mães, pais e adeptos em geral gritam comentam e insultam jogadas. Que há opiniões de todo o tipo, quase sempre de mau gosto, as piores sempre sobre o árbitro. Durante todo o jogo têm de aguentar impropérios, insultos, desqualificações. Mas o pior de tudo, indicações aos jogadores da sua própria equipa: chuta, centra, luta, sobe, baixa, aqui, ali, que se misturam com as do treinador. Uma loucura Pai e Mãe!

Não sejas como eles. Tu és um grande Pai/Mãe para mim e não quero que cometas os mesmos erros. Ensinaste-me a ser criança mas a ti ninguém te ensinou a ser Pai ou Mãe. Infelizmente não há escolas para aprender a melhor forma de tratar os filhos. Vocês, os pais, fazem o que podem; umas vezes é muito, outras pouco. Só te peço que pelo menos tentes…

O que podes fazer por mim?

Aprende a aceitar que as crianças não jogam para entreter o público, nem para ganhar, jogamos para nos divertirmos; para passar um bom momento a praticar o desporto que escolhemos e gostamos. É importante que aceites esta situação como parte do jogo. Desde que me deste uma bola, queria jogar, competir e ganhar. Mas não a qualquer custo. Trata-se de saber encarar a vitória; trata-se de saber perder e saber ganhar. Não me recrimines pelos meus erros. Estou a aprender… sou pequeno. Não me “tele-comandes”, não me dês instruções, pois não sou um jogador de um jogo de consolas daqueles que jogamos juntos do FIFA ou do PES. Que o faça o treinador é a função dele ensinar-me. Se não me enganar nunca aprenderei. Toma em consideração que os teus comportamentos são um modelo e que no futuro terei tendência a segui-los. Não faças com que eu acabe por odiar o futebol!

A maioria dos pais adoptam uma atitude de respeito e diversão sem pedir mais do que o filho passe momentos de grande diversão. Fixa-te neles. Se tu sofres não me vás ver, porque eu também sofro. Não me ridicularizes nem a mim nem à minha equipa, sob nenhum conceito. Não questiones as decisões do treinador nem as dos árbitros. Apoia-me tanto no esforço como nas vitórias. Reconhece as minhas virtudes bem como as dos meus colegas.

O futebol, na minha idade, é uma etapa lúdica, formativa, na qual quero que me acompanhes. Mas quero ter a liberdade de me encontrar a mim mesmo! Tu deves apoiar-me nesse percurso. Estou a aprender o valor das coisas, a viver a ilusão do desporto que mais gosto: o futebol. Deixa-me superar, por mim mesmo, as adversidades e respeita o meu processo de formação. Adorava ser jogador de futebol profissional, mas se não o for, não haverá problema algum. Conformo-me com fazer desporto e jogar com os meus amigos todo o tempo que possa, e conto com vocês para que sejam o meu suporte nesta etapa de educação e formação.

Por último devem saber que, apesar de tudo o que vos escrevo nesta carta, o futebol e vocês são o mais importante na minha vida e assim quero que continuem a ser. Mas quero que acima de tudo sejam o meu Pai e a minha Mãe, não o meu treinador.

Adoro-vos Pai e Mãe!!

Nota: Esta carta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

6 Comentários

  1. Adailto
    31 Outubro, 2019
    Responder

    Gostei muito dessa matéria… abriu mais ainda meus olhos em relação ao comportamento dos pais em dia de acompanhar os filhos nos jogos… não devemos esquecer que são crianças e só querem se divertir… parabéns ao escritor.

  2. Edson Matsuo
    5 Novembro, 2019
    Responder

    Agradeço por este matéria. Leio neste primeira hora da manhã e reflito sem querer responder a “pergunta silenciosa” ( https://youtu.be/YBGeI7NLHJU1).
    # qual o pai na vida dos meus filhos que tenho sido?
    # como posso ser um pai que somente acompanha os filhos aprendendo junto na escola da vida?https://youtu.be/YBGeI7NLHJU1
    # qual a gratidão que tenho de ter os filhos e a família que acompanho e me acompanha?
    Obrigado

  3. José Rivanildo
    5 Novembro, 2019
    Responder

    Simplesmente perfeito

  4. Renato
    6 Novembro, 2019
    Responder

    Que maravilha de texto, muito educativo e uma verdadeira lição a ser seguida.

  5. […] Fonte: Futebol de Formação […]

  6. Julio Cesar da Costa
    10 Dezembro, 2019
    Responder

    Muito bom esse editorial, parabéns

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