Introdução

Numa era em que os maus exemplos dos pais nos meandros do desporto são notícia quase permanente, convém recordar – sempre que possível – o reverso da medalha: o grosso dos encarregados de educação, sejam pais, outros familiares ou tutores, fazem um esforço incrível, às vezes sacrificando programas da vida pessoal, para que os filhos cresçam saudáveis e felizes numa atividade que apreciam e que os motiva. Em treze anos no papel de treinador no futebol de formação vivenciei exemplos para todos os gostos. Como me apraz educar/formar pela positiva, este texto visa apresentar um dos tais exemplos que a mim, treinador, mais me impressionou pela mensagem perspicaz, direta e afetuosa com que uma mãe (anónima, mas com autorização concedida para partilhar) brindou o seu jovem filho numa fase menos conseguida da época desportiva. Esta histórica é verídica e merece todo o nosso reconhecimento por aquilo que deve ser o papel de pai/mãe/encarregado de educação de uma criança/jovem que pratica desporto federado, no caso futebol: alimentar o sonho com consciência, responsabilizar o compromisso e focalizar a atenção na tarefa.

SMS: «Mãe, a equipa não está bem. Sinto-me algo perdido. O que devo fazer?»

«Quero dizer-te, mais uma vez, que te admiro pela coragem que tiveste para ir atrás do teu sonho, mesmo que dando apenas um pequeno passo. Essa foi uma escolha tua e é apenas por ela que és responsável e, como tal, é apenas a tua coragem individual que deves também valorizar. Quando decidiste sair da tua casa, de perto da tua família e amigos, da tua zona de conforto, sabias que partias rumo ao desconhecido, sem nenhuma garantia de que isso te levasse onde tanto desejas e sonhas. Mesmo assim arriscaste, pegaste nas tuas coisas e deste esse salto no vazio! Fizeste-o porque inconscientemente sabes que não podemos voar se não conseguirmos superar o medo de saltar. E medo de saltar todos temos, o que nos distingue é que apenas alguns têm coragem para o superar. E tu tiveste essa coragem!

O que te quero transmitir é que essa tua conquista é o que deves valorizar, em primeiro lugar e acima de tudo. As atitudes dos outros serão sempre (e só) as atitudes dos outros, pelas quais não és responsável. Dir-me-ás que, ainda assim, és afetado por elas. Tens razão, mas cabe-te a ti escolher a forma como te deixas afetar e, mais uma vez te digo, o importante é que faças a tua parte. Eu sei que, no teu íntimo, sabes o que tens que fazer, como te deves comportar e o que deves fazer para ajudar a tua equipa a alcançar os objetivos e é só nisso que te deves concentrar. A mais não és obrigado. Os teus colegas (na sua generalidade) são um poço de ego, estão cheios deles próprios, embriagados com o seu talento e capacidades e isso faz com que só se vejam a si próprios e que coloquem sobre os outros o peso de qualquer frustração. Por isso se zangam uns com os outros quando alguém falha e, assim, estragam o ambiente de cumplicidade que necessariamente tem que existir numa equipa. Mais oportunidade tem de chegar longe uma equipa coesa e unida composta de jogadores medianos, do que uma equipa cheia de estrelas em constante luta de egos! O futebol, como qualquer outro jogo coletivo, implica uma necessária generosidade. Cada um tem que ser capaz de brilhar em nome da equipa e não em nome próprio, isto é, pode brilhar com luz própria mas o sucesso é da equipa, assim como o fracasso, quando acontece.

Acredita, meu amor, nunca poderá ser verdadeiramente grande um jogador que, apesar de todo o rasgo individual, não consiga ser generoso com a sua equipa, jogando e trabalhando para o coletivo. Tu, meu amor, tens essa qualidade em ti (às vezes até em excesso) e talvez encontres uma forma de transmitir isso aos teus colegas. Este é um momento crucial para a vossa equipa (não é para cada um de vocês, as oportunidades individuais trabalham-se noutros campos) e cada um de vós deveria estar focado apenas nisso, em dar o seu melhor e potenciar o melhor de cada um dos colegas para que juntos consigam alcançar o resultado pretendido. Este tem que ser o vosso foco se quiserem alcançar a vossa meta, tudo o resto é inútil desgaste de energia. Como diz o ditado: “sozinhos chegamos mais rápido, mas juntos chegamos mais longe.” Cabe-vos a vós, individual e coletivamente, escolher onde querem chegar!»

Figura 1. A mãe e o futebol (fonte: videoblocks.com).

 Conclusão

Em jeito de conclusão, refiro que, exceto cumprimentos circunstanciais, nunca troquei uma palavra com esta mãe. Nos treinos, o miúdo apresentou sempre uma disponibilidade incrível para evoluir do ponto de vista individual e ajudar os seus companheiros a alcançar os objetivos coletivos. Sim, ele teve os seus momentos menos bons, mas nunca virou a cara à luta. Mesmo estando longe de casa, da família e dos seus amigos de infância, eu não preciso de ser vidente para perceber que estará mais próximo de ser bem sucedido na sua vida do que o contrário.

Sei que o tempo útil para o fazer já passou há muito, contudo, deixo aqui expressos os meus sinceros agradecimentos pelo bom exemplo que nos deu e que, no fundo, permite homenagear todos os pais/encarregados de educação que fazem parte da solução e não do problema no desporto infantojuvenil. Obrigado!

Sem comentários

Deixar uma Resposta

O seu endereço de email não será publicado.

Anterior TRABALHO, DISCIPLINA, RIGOR, AMBIÇÃO E POSITIVISMO
Próximo "MISTER, AFINAL COMO POSSO TREINAR A CONCENTRAÇÃO?"