Não foi exactamente assim que aconteceu, mas o que senti naquele dia continua a ser o mesmo que sinto ainda hoje nos jogos.

Vamos lá então a esse dia.

Terá sido acerca de 5 anos, numa altura em que faziam jogos de futsal. Os meninos eram poucos e era necessário um guarda-redes. Já só o vi com uma camisola diferente e umas luvas calçadas. E naquela altura pensei “ai meu Deus, agora vai à baliza”.

A verdade é que no fundo nem fiquei muito preocupada, afinal era a primeira vez e muito possivelmente seria a última. O Diogo jogava a avançado e gostava mesmo era de marcar golos.

A verdade é que depois daquele jogo, seguiram-se outros. A camisola que lhe vestiam no inicio dos jogos já era sempre diferente da que levava. E lá ia ele para a baliza, uma e outra vez. E aí sim, aí comecei a ficar com o meu coração pequenino a cada jogo. Porque pensava que ia deixar entrar a bola, porque achava que não era a posição que ele queria e gostava, porque não se ia aplicar ou dar o seu melhor. Porque não o via a gostar de estar numa posição onde passava a maior parte do tempo parado, quando ele gostava de correr e de marcar golos.

Tentei perceber porque motivo o tinham colocado naquela posição. Ao que parece porque o então coordenador, achou que ele até se podia adaptar, porque não tinha medo das bolas e isso era essencial num guarda-redes. Além de que não tinham meninos para ir à baliza.

Pensei “ok, ele agora até pode estar a gostar por ser uma novidade mas acabará por chegar à conclusão que não é a posição preferida dele”.

A verdade é que, desde que pensei isto até lhe ter de comprar umas luvas  e uma camisola para os treinos, foi um espaço de dias.

não desististe porque eu sempre acreditei em ti

E pronto. Lá começou ele nos “treinos” de guarda-redes. E com ele vieram mais dois ou três que quiseram experimentar as balizas, quando até aquela altura a dificuldade era arranjar quem quisesse ocupar aquela posição.

Devo dizer que, apesar de nunca me ter dito “mãe, quero ser guarda-redes”, a verdade é que também nunca me disse o contrário. Nunca disse que já não queria mais estar naquela posição, que queria mudar.

Recordo o dia em que a equipa fez o primeiro jogo de competição. Já tinham feito jogos de inicio de época, que até tinham corrido bem. Não esperava brilharetes dele até porque os treinos específicos que tinham não eram nada por aí além e como ninguém nasce ensinado, ainda mais para guarda-redes, apesar de ficar sempre ansiosa em cada jogo, também não poderia pedir o impossível.

Regressando ao primeiro jogo oficial. Foi difícil. Os nervos e a ansiedade apoderaram-se dele. O treinador começou a vê-lo com o respirar acelerado, com um ar quase de pânico. Acho que naquele dia é que percebeu bem a responsabilidade que recaía sobre ele, por ser guarda-redes. Para ele, agora era a sério. Agora não podia errar. A equipa era muito competitiva, os resultados eram bons, as vitórias eram uma constante e um erro vindo dele seria o suficiente para lhe apontarem o dedo, ou para lhe dizerem coisas menos agradáveis. Sabemos que é comum os guarda-redes serem apelidados de “frangueiros”, e muitos não conseguem lidar com essa pressão.

Eu sempre lhe tentei fazer ver que errar todos erram, e dava-lhe constantemente exemplos de guarda-redes profissionais de topo para ele perceber isso. Para ele perceber que até os profissionais erram, quanto mais ele que nem treinos específicos em condições tinha.

Na altura, eram dois guarda-redes e ele apesar de ser pequeno entendia que o colega era mais eficaz que ele. Até porque em determinada altura passou a ser convocado menos vezes para os jogos mais importantes, mas disso já falei no texto que anteriormente escrevi, “SER MÃE DE UM GUARDA-REDES DE FORMAÇÃO

Ontem, depois de me pedirem para escrever mais um texto sobre o assunto, perguntei-lhe “se o treinador agora te desse a oportunidade de jogares numa outra posição o que é que tu fazias? Aceitavas?” e ele respondeu “mas isso não faz sentido nenhum. Eu sou guarda-redes e gosto de ser”.

Andei anos para ouvir isto mas, agora posso dizer com alguma garantia que sou mãe de um guarda-rede. Uma mãe agora mais descontraída, mas não totalmente porque sempre que a bola se aproxima da baliza o meu coração fica pequenino. Porque confesso que continuo a ter medo que erre. Porque receio muitas vezes a reacção dele à falha. Está com 12 anos e numa fase em que as emoções estão ali à flor da pele.

Contínuo a dizer-lhe que errar todos erram e que ainda terá muitos erros para cometer enquanto guarda-redes. Que o que importa é que os encare como lição para querer ser e fazer melhor.

* este texto não foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico

3 Comentários

  1. Carla Abreu Silva
    25 Fevereiro, 2018
    Responder

    O meu filho tem 11 anos e começou por volta dos 7 anos a jogar futebol.
    Passou por todas as posições, mas meia parte dos jogos já o colocavam a guarda redes,
    Quis ser médio centro por uns tempos mas voltou a redes, o triste da posição de guarda redes é que ninguém dá valor.
    Eu como mãe de um guarda redes sinto-me triste por não se dar valor aos meninos que simplesmente quiseram ser os guardiões das balizas. O meu filho tem o meu apoio todo,

  2. Dilia
    3 Março, 2018
    Responder

    Ao ler tive vontade de chorar, pois o meu filho guarda redes, tem passado por muito, nunca quis ser senão guarda redes. Tudo o que conseguiu até hoje tem sido com o seu trabalho e dedicação à posição. Agradeço no entanto ao Mister de GR sem ele provavelmente não teria sido possível.

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