O comportamento lúdico tem uma dimensão ancestral independente da cultura ou da situação geográfica.
A procura do desconhecido e da imprevisibilidade é um risco que vale a pena jogar seja no plano físico, simbólico ou social. A prática do desporto na infância é uma realidade social e cultural. As crianças gostam de praticar desporto (na escola, no clube, etc.) porque faz parte integrante do seu contexto cultural. Através de prática espontânea ou organizada, as crianças vão aprendendo a dominar habilidades motoras fundamentais, a desenvolverem a sua capacidade percetiva e tomada de decisões adequadas e a percecionarem dinâmicas coletivas que são fundamentais para o aperfeiçoamento de um reportório motor adequado ao sucesso da prática desportiva. Este saber motor fundamental nas primeiras idades requer cuidados especiais das instituições desportivas e dos treinadores que recebem as crianças. O comportamento dos pais é também muito importante nesta triangulação de sucesso. Qual o modelo, a estratégia e os objetivos da formação desportiva de crianças e jovens no desporto? Qual a compatibilidade com as tarefas escolares? Que qualidade de intervenção pedagógica, técnica e científica tem de ser assegurada por quem organiza e atua no processo de ensino e aprendizagem nos clubes desportivos ou organizações similares?
A formação das crianças e jovens no desporto deverá seguir um modelo desenvolvimentista, isto é, centrado nas características de cada criança. As primeiras etapas são caracterizadas por uma abordagem exploratória, de jogo livre ou semi-estruturado de modo a assegurar a assimilação inteligente de estruturas motoras simples (habilidades motoras básicas) e descoberta das dinâmicas percetivas e sociais mais simples (fase de estimulação motora). Depois deverão ser experienciadas sequências mais complexas de jogo através de habilidades motoras de transição, de modo a dotar as crianças de um afinamento do seu reportório motor e a formação de uma cultura mais consistente de compreensão da atividade desportiva (fase de aprendizagem motora). A terceira fase centra-se na consolidação de esquematizações motoras já aprendidas, através da prática da atividade, acompanhando o desenvolvimento da criança em todas as suas dimensões (motora, cognitiva, social e emocional). Nesta fase é muito importantes aperfeiçoar elementos fundamentais e estruturantes da formação motora (ajustamento postural, lateralidade, equilíbrio, coordenação motora, perceção espacial e temporal, esforço físico e relação socio-motora). É uma fase crucial de sedimentar comportamentos motores consolidados (fase de prática motora). Quando for possível, pode então iniciar-se um período de afinamento das habilidades motoras específicas (técnicas consistentes) e elementos táticos da atividade desportiva (capacidade de decisão) tendo em vista o aparecimento de um rendimento adequado ao sucesso desportivo (fase de especialização motora). Cada treinador terá uma observação sistemática e periódica das suas crianças, optando pelo desenvolvimento das fases adequadas de especialização motora.
Existem seguramente muitos agentes de sociabilização influentes no processo de formação desportiva de crianças e jovens. É um processo complexo. No entanto, o comportamento dos pais tem uma importância decisiva no acompanhamento da formação desportiva dos seus filhos. Existem por vezes comportamentos inapropriados dos pais que interferem na estabilidade formativa das crianças e muitas vezes no trabalho quotidiano dos treinadores. Esta situação merece um destaque especial no estudo de caracterização de diversas posturas e comportamentos parentais. Do nosso ponto de vista deverá ser dada uma maior atenção na formação dos pais quanto aos objetivos da formação desportiva na infância. Existem diversos perfis de comportamento parental (de pais desinteressados a pais fanáticos), que implicam estratégias de abordagem sobre esclarecimentos fundamentais do trabalho desenvolvido na formação no futebol infantil/juvenil. Caberá às instituições responsáveis, definir as melhores formas de esclarecimento e formação sobre as caraterísticas do desenvolvimento infanto-juvenil, assegurando os direitos fundamentais sobre a prática desportiva.
O artº 31 da Declaração Internacional dos Direitos da Criança (ONU) identifica o direito da criança ao jogo, ao tempo livre e à prática do desporto. Este direito fundamental das crianças e jovens, quando equacionado na aprendizagem e prática do desporto, implica algumas considerações adicionais. Deste modo, as crianças/jovens deveriam ter o direito a:
1- Expressar a sua individualidade;
2- Serem tratadas como crianças /jovens;
3- Participar independentemente do seu nível de habilidade;
4- Jogar ou competir com os seus opositores em função de valores éticos fundamentais (Fair-Play);
5- Decidir no qual ou quais desportos deseja participar;
6- Participar na organização de programas desportivos (ser ator);
7- Parar a atividade quando entender;
8- Saber que o fracasso no desporto não é o fracasso da vida;
9-Ter um treinador que seja competente nos planos, pedagógico, técnico e científico;
10- Condições de treino e competição adaptados á sua condição;
11- Exame e tratamento médico competente;
12- Facilidades de espaços e equipamentos;
13-Correcto acompanhamento parental.
No caso da formação desportiva, necessitamos de melhorar a formação de especialistas, adotar melhores estratégias de ensino-aprendizagem, produzir mais investigação e material técnico e pedagógico, definir modelos mais robustos de gestão e organização, apoiar a formação dos dirigentes, pais e outros agentes ligados à modalidade e melhorar a coerência entre tempo livre, escolar e desportivo na vida diária das crianças e jovens.
Carlos Neto, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de LisboaUm bem haja professor Carlos Neto, pelo seu trabalho e luta ao longo destes 40 anos em prol das nossas crianças e jovens.
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