Estrutura e objetivo(s): Componentes fundamentais na construção do exercício de treino


Introdução

Numa era em que é enfatizada a importância do jogador inteligente, capaz de ler o jogo com proficiência e executar com qualidade de acordo com o contexto situacional do jogo, o tema do treinador inteligente continua a ser pouco ou nada debatido. A tomada de decisão do treinador não diz respeito apenas ao modelo de jogo da equipa, às substituições a fazer numa partida ou à gestão das expectativas dos jogadores/praticantes. Uma das tarefas mais decisivas do treinador, ou da equipa técnica se preferirem, é articular a estrutura do exercício de treino com os objetivos definidos, no intuito de promover a aprendizagem do jogo ou melhorar o rendimento em competição. Se a criatividade é fundamental para o jogador inteligente, também não deixa de o ser para o treinador inteligente. Criar um exercício adequado aos objetivos pretendidos é muito mais complexo do que encontrar um exercício «maneirinho» num dos inúmeros livros de exercícios publicados. Assim, o propósito deste artigo é instigar a reflexão sobre o exercício de treino no futebol, tendo por base as suas componentes fundamentais: a estrutura e o(s) objetivo(s).

O que distingue um exercício de treino?

Uma questão premente para qualquer treinador deve ser: como se distingue um exercício fraco de outro que prima pela qualidade? Em primeiro lugar, o exercício tem de possuir uma estrutura: espaço (dimensões/funcionalidade?), recursos humanos (nº de jogadores?; cooperação/oposição?), recursos materiais (bola/balizas/sinalizadores/cones?) e finalidade estratégico-tática. Posteriormente, tem de haver um ou vários objetivos associados à estrutura. A complementaridade entre estas duas componentes é indispensável para determinar a qualidade do exercício de treino: o objetivo permite definir o que se pretende treinar e a estrutura permite dar forma e substância aos conteúdos que o treinador idealiza que se assimilem (figura 1).

Estrutura e objetivos (figura 1)

Figura 1. Estrutura e objetivo: componentes fundamentais na construção do exercício de treino.

Portanto, objetivo sem estrutura é informe e estrutura sem objetivo é disfuncional. Quando a estrutura e o objetivo não estão em harmonia, o exercício de treino perde intencionalidade e o treinador demorará mais tempo para cumprir a sua missão. Se o treinador identifica lacunas em competição ou no treino, estabelece metas a atingir no microciclo semanal seguinte. A título de exemplo, imaginemos que pretende (1) aumentar a percentagem de passes precisos e (2) potenciar ações de desmarcação em crianças Sub-11, com 3 anos de experiência de prática formal. Ser criativo implica encontrar uma estrutura que induza sucesso na ação de passe e o recurso a desmarcações constantes, respeitando o nível de prática dos miúdos (figura 2).

Estrutura e objetivos (figura 2)

Figura 2. Exercício exemplo: jogo 3v3 (20x15m), com balizas pequenas laterais.

Ao jogo reduzido/condicionado 3 contra 3 (3v3), em que propomos uma área de jogo individual de 50 m2, incluiríamos os constrangimentos de realizar um mínimo de 3 passes consecutivos para finalizar o ataque, no intuito de fomentar a execução da ação de passe, e a obrigatoriedade de marcação individual, de forma a proporcionar desmarcações constantes. De facto, grande parte do sucesso de um treinador de futebol passa por gerar concordância entre a estrutura e o(s) objetivo(s) do exercício de treino.

A motivação: o extra na qualidade do exercício

A motivação não está exclusivamente dependente da ação do treinador, contudo, é uma variável passível de aumentar os efeitos do exercício de treino. Por isso, o treinador não pode ignorar o impacto que o exercício tem nos seus praticantes. Se é verdade que a lógica do exercício deve assentar na filosofia e na ideia de jogo do treinador, a necessidade de cativar os jogadores para o mesmo é impreterível, pois por muito bom que seja o exercício proposto, se os jogadores não estiverem motivados para concretizar os objetivos, torna-se perfeitamente banal (figura 3).

Estrutura e objetivos (figura 3)

Figura 3. A motivação potencia os efeitos do binómio «Estrutura – Objetivo(s)» do exercício.

Nos anos 2003 e 2004, quando José Mourinho atingiu pela primeira vez o auge no futebol europeu, era comum ver atribuído o seu sucesso à capacidade psicológica de motivar e de mobilizar os seus jogadores para um determinado fim. Claro que não foi apenas a enorme motivação dos jogadores do FC Porto a determinar o fantástico rendimento em competição, mas decerto que potenciou imenso as opções metodológicas de Mourinho e da sua equipa técnica no processo de treino. Deste modo, quer numa perspetiva de aprendizagem, quer numa perspetiva de rendimento, a motivação dos jovens praticantes ou jogadores para cumprirem o exercício de treino é um extra de inegável valor. O treinador inteligente, ao equacionar a complementaridade das componentes estrutura e objetivo(s), está também a adequar o exercício de treino às características e às necessidades dos jogadores. Em suma, pensar e criar o exercício em função dos praticantes é estimular a motivação para aprender o jogo, desenvolver competências específicas e alcançar, progressivamente, um nível de rendimento superior em competição.

«Por muito bom que seja o exercício proposto, se os jogadores não estiverem motivados para concretizar os objetivos, torna-se perfeitamente banal».

 

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