Notas prévias: (1) o texto foi originalmente publicado, em 2015, no blogue Linha de Passe (http://linhadepasse.blogspot.com); (2) está particularmente direcionado aos treinadores que atuam na etapa “Início e Desenvolvimento do Rendimento no Futebol”, i.e. dos Sub-14 aos Sub-19 (FPF, 2018).
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No âmbito do treino do futebol, a expressão “modelo de jogo” tem sido amplamente difundida nos últimos anos, sobretudo em Portugal e nos países lusófonos. O advento e a notoriedade adquirida pela Periodização Tática – modelo de planeamento utilizado por José Mourinho, André Villas-Boas, Vítor Pereira, Carlos Carvalhal, entre outros – assim o determinaram. O conceito de modelo de jogo remete-nos para uma série de princípios que concedem organização nas diferentes fases e momentos do jogo (Delgado-Bordonau & Mendez-Villanueva, 2012). Entre muitas outras variáveis, o modelo de jogo está subjacente à filosofia do treinador/equipa técnica e pode, segundo diversos autores da especialidade, ser adotado ou criado. Esta modelação é, em primeira instância, obra do treinador e que, posteriormente, será interpretada e aplicada pelos seus jogadores.
Por sua vez, a criatividade tática é algo que está inerente ao desempenho dos jogadores em contexto de jogo. De acordo com o investigador alemão Daniel Memmert (2014), a criatividade tática é definida como a criação/execução de diversas soluções para problemas em grupos específicos de indivíduos ou em situações de jogo coletivas, que podem ser consideradas como surpreendentes, raras e/ou originais. Esta criatividade tática, também associada ao conceito de inteligência tática, é cada vez mais acreditada pelos treinadores de elite como uma característica fundamental do jogador no futebol contemporâneo.
O problema que tenho identificado através da observação sistemática, de inúmeras entrevistas e com o qual também me debato em todas as sessões de treino, resume-se a uma singela questão: até que ponto a definição e a operacionalização de um determinado modelo de jogo não constrange a criatividade tática dos jogadores?
Na minha perspetiva, são duas faces da mesma moeda e algo sobre o qual o treinador/equipa técnica deve(m) ponderar em permanência ao longo da época desportiva. Como conceder organização, sem condicionar a capacidade criativa dos nossos jogadores?
Atentemos ao exemplo que consta na Figura 1.
O treinador pretende que a bola circule rápido de zonas de maior concentração de jogadores oponentes para outras zonas menos congestionadas. Para isso, prepara os jogadores para aumentar a área da equipa em largura (subprincípio 1: amplitude) e que haja, pelo menos, três linhas de passe relativamente ao portador da bola (subprincípio 2: soluções múltiplas). Até aqui, parece-me tudo muito razoável. Quando começamos a fracionar os subprincípios em mais sub-subprincípios e sub-sub-sub-etc., deixo de concordar. É precisamente neste ponto que eu entendo que o excesso de regras/normas de ação (modelação comportamental) compromete a criatividade tática dos jogadores.
Temos um princípio bem definido (“circular a bola para longe da zona de pressão adversária”), mais dois subprincípios adicionais e é com essa matéria que, no treino, o treinador/equipa técnica deve(m) propor tarefas para que os jogadores, individual e coletivamente, encontrem soluções (descoberta guiada) para cumprirem os princípios estipulados e que estão consubstanciados no modelo de jogo.
Deste modo, conseguiremos tirar o máximo proveito das duas faces da moeda (modelo de jogo e criatividade tática) num processo que requer, por um lado, o desenvolvimento dos jogadores e da equipa e, por outro lado, a obtenção de resultados em competição.
Referências
Delgado-Bordonau, J. L., & Mendez-Villanueva, A. (2012). Tactical periodization: Mourinho’s best-kept secret? Soccer NSCAA Journal, 3, 28-34.
FPF Portugal Football School (2018, 13 de julho). Etapas de desenvolvimento do jogador de futebol – Níveis de desempenho. Retirado de https://www.fpf.pt/News/Todas-as-notícias /Notícia/news/17281
Memmert, D. (2014). Tactical creativity in team sports. Research in Physical Education, Sport and Health, 13(1), 13-18.
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