Quase todos os fins de semana chegam noticias de “vandalismo” essencialmente na forma de violência verbal e em alguns casos de violência física por esses campos de futebol em todo o país, e questionamo-nos se também no “nosso clube” será possível que os adeptos, os pais, os dirigentes possam chegar ao ponto de invadirem o campo e se agridam mutuamente!?!

Lamentavelmente o que se lê e que cada vez mais se vê nos recintos desportivos é socialmente alarmante. Mas só a curto prazo. Passa o tempo e as coisas voltam ao normal, como se nada de anormal se tivesse passado.

Poucos se preocupam em evitar que estas situações desastrosas se repitam. Poucos se dão conta que existem soluções. Talvez precisamente porque as soluções para acabar com a violência no futebol começam por nós mesmos. Pelos próprios jogadores que regularmente criticam os seus colegas de equipa lançando autênticos dardos envenenados e criando divisões na equipa; pelos treinadores, que impõem os resultados a todos os outros; pelos pais, que pressionam os seus filhos e acabam por despojá-los da sua personalidade; e, sobretudo, pelos clubes e os seus dirigentes, os autênticos responsáveis de que ainda existam episódios de violência no futebol de formação.

Um só dia num qualquer campo de qualquer cidade é suficiente para nos apercebermos de como estes fatores influenciam negativamente no desporto e acabam por adubar um terreno fértil para a violência.

A cruz dos guarda-redes

Um guarda-redes de 14 anos acaba de jogar o seu segundo jogo no campeonato. Demorou algum tempo a sua inscrição por não ter nacionalidade portuguesa o processo de inscrição e a autorização para o poder fazer, mas tinha muita vontade de competir. Treinou muito e muito bem desde o inicio da temporada, mas quando chegava o fim de semana via como os seus companheiros desfrutavam do mais atrativo do futebol, o jogo, enquanto ele ficava na bancada a contemplá-los.

Lucas é um guarda-redes tranquilo. Não demonstra o seu nervosismo. Vive tudo internamente. Numa falta contra a sua equipa organiza a barreira e dispõe-se a defender o livre direto da equipa adversária. Por desgraça, coloca-se mal e o marcador do livre vê claramente que há um buraco onde pode colocar a bola sem problemas. E assim faz, perante os comentários de desespero dos colegas de Lucas, que veem como o jogo acaba por lhes escapar por entre as mãos do seu Guarda Redes.

Notam-se muito mais os erros cometidos pelos guarda-redes do que os dos restantes jogadores. As suas falhas transformam-se em golos. No entanto os restantes jogadores podem permitir-se falhar com mais frequência. Os seus erros nunca trazem consequências tão graves como os erros do Lucas.

Tratam-se, no entanto, de falhas muito frequentes nos guarda-redes jovens. Tanto que nessa mesma manhã outro guarda-redes, de um escalão diferente, recebe um passe de um dos defesas e, diante da pressão do avançado, fica nervoso perdendo a bola e sofrendo o único golo do jogo. A sua equipa está a fazer um jogo fantástico. Domina o adversário trocando a bola com toques curtos e precisos. Já há algum tempo que não se via uma equipa a jogar tão bem. No entanto, um único erro do guarda-redes é suficiente para perderem o jogo.

No banco de suplentes ouvem-se comentários muito duros por parte dos seus colegas. O guarda-redes cai no chão depois de sofrer o golo e tem de ser assistido. O jogo fica parado durante algum tempo e desde o banco ouve-se: “Comete um erro parecido a cada jogo! Já está, sempre com a desculpa que está lesionado…”

Comentários desnecessários e que são muito difíceis de ouvir dos teus próprios colegas. Poucos minutos antes, um jogador cometia um erro num passe e do outro lado do campo ouvia-se um grito de ânimo do seu avançado para lhe demonstrar a sua solidariedade. No entanto, com o guarda-redes não existe perdão nem compreensão.

Ser guarda-redes é, já por si, muito duro. A restante equipa deveria ser mais compreensiva. Atitudes deste tipo entre jovens são constantes quer dentro quer fora do desporto, e há que as parar, porque as consequências podem ser nefastas, já que produzem uma desunião entre os próprios jogadores da equipa. Toda a critica tem de ser construtiva e não deve ser permitida em nenhuma circunstancia no seio da própria equipa sem a presença dos seus responsáveis.

O treinador gritador

A equipa do Lucas perde o jogo, mas sai satisfeita pelo jogo realizado. Nesta idade, quando jogas bem divertes-te e desfrutas independentemente do resultado. Apercebes-te de que a cada jogo bem jogado é um passo na tua aprendizagem e, ainda que uma derrota saiba sempre mal, levas algo dentro de ti que é mais importante e valioso que a vitória.

A sensação dos vencedores é diferente. Sentem alegria por tê-lo conseguido, mas, ao mesmo tempo, deceção porque a outra equipa foi a única que jogou verdadeiramente futebol. Os vencedores lutam pelo primeiro lugar no campeonato. São todos de grande estatura e têm muito ímpeto. Num jogo direto para o seu avançado e sem princípios o objetivo é marcar golos e destruir tudo no processo defensivo. É o mais fácil, quando o teu único objetivo é ganhar.

Os perdedores, em troca, são mais pequenos e dominam a técnica. Procuram sempre construir o jogo lá atrás e vão trocando a bola até encontrar um espaço ou oportunidade para rematar à baliza contrária. São duas filosofias muito diferentes. Por um lado, ganhar a todo o custo. Por outro, procurar formar os jogadores. O que procuramos no futebol? Todos desejamos a vitória, mas a diferença está na forma de a conseguir.

Durante o jogo, os berros do treinador da equipa vencedora ouviam-se até para lá do “Marão”. Dava medo permanecer no campo, porque o treinador era tão agressivo e violento que os jogadores muitas das vezes bloqueavam. Não se ouvia uma única palavra de ânimo e incentivo aos seus jogadores. Dirigia-os mediante ameaças. Não perdoava uma. Tinha o árbitro agoniado desde o inicio. Protestava por tudo, munido de uma completa falta de respeito. É um modelo que alguns treinadores importantes da primeira divisão puseram na moda e que agora se está a impor também no futebol de formação. Milhares de jovens técnicos imitam essa atitude rude e desrespeitada onde tudo vale sempre e desde que se consiga a vitória.

No banco, os jovens alucinavam e apercebiam-se do espetáculo ridículo daquela pessoa a quem chamam treinador. Mal-educado, gritador e ganhador de campeonatos, acredita ser o rei da equipa, mas acaba por dar um mau exemplo tanto aos seus jogadores como aos da equipa adversária.

Amores que matam

Pouco antes de terminar a primeira parte do jogo, o treinador faz uma substituição. O jovem atleta saiu do campo a chorar. Mas não chorava por ter sido substituído, mas sim porque estava farto de ouvir os comentários do seu pai desde a bancada. Pais assim destroem o futebol. Em vês de desfrutarem do jogo, dedicam-se a criticar tudo o que os filhos e colegas fazem dentro de campo, como se esperassem deles muito mais. Enganam-se e o único objetivo que conseguem com esta atitude é o abandono precoce do futebol. A pressão que lhes impõem é tão grande que se torna insuportável para as crianças e jovens.

Outro jogo, outro escalão. E outra vez os pais em ação. O pai do Paulo coloca-se num lugar estratégico do campo e dedica-se, durante todo o jogo, a dirigi-lo com gestos, indicando-lhe onde deve colocar-se para receber corretamente a bola: “Mais atrás, mais rápido, muito bem, à direita…”. Mas quem é que está a jogar? O Paulo é uma simples marioneta nas mãos do pai, e realmente é este quem joga. Deixa-lhe pouca margem para pensar, para decidir, para errar. Quantos jovens talentosos ficam na mediocridade por ter uns pais assim?

No mesmo jogo podemos ver um jogador prodigioso, com um potencial físico e técnico fora do comum. No entanto, o Daniel vagueia pelo campo. A sua mãe está ali, com ele. Não para de lhe dar conselhos durante todo o jogo. Transformou-se na sua treinadora pessoal. O jovem corre e luta, mas não consegue atingir quase nenhum dos seus objetivos apesar de ser um jogador excecional. Está mais preocupado com o que diz a sua mãe do que com o que diz o seu treinador.

Pobre Daniel! Vê-se a falar sozinho consigo próprio, resmungando porque as coisas não lhe saem como a mãe lhe pede. Já sabe o que o espera no regresso a casa. Ela vai lembrar-se de cada um dos seus erros. Treinadora, psicóloga, jornalista, política, líder do seu pobre filho. Há amores que matam…. e este é um exemplo bem claro.

Absentismo e desmazelo

Tudo isto aconteceu durante uma só jornada e é suficiente para entender que existe potencial violento no comportamento de todos em muitos dos jogos que se realizam a cada fim de semana, que na realidade, são evitáveis. Quando os meios de comunicação difundem episódios de violência, parece que a culpa é só dos pais. Mas não é bem assim. Todos somos responsáveis. Em primeiro lugar os clubes, incapazes de demarcar o território a pais, treinadores, jogadores…etc.

O presidente de um clube que permite que os seus treinadores gritem e ameacem os jogadores está a abrir as portas á violência. O seu absentismo acaba por dar luz verde a comportamentos lamentáveis e perigosos. Antes de nos perguntarmos o que fazer para parar a violência no futebol, teríamos que nos perguntar pelo que deixamos de fazer. O desleixo, a permissividade, a falta de autoridade e a ambição a curto prazo de vitórias a todo o custo têm consequências graves. Não atuar perante situações e detalhes violentos na nossa própria casa é semear a semente do ódio. Essas pequenas ocorrências violentas, com o tempo, crescem e convertem-se em situações dramáticas que já não têm remédio. Quando isso acontece, já é demasiado tarde para deitar a culpa aos pais.

Que podem fazer os clubes?
  • Perguntar-se qual é a prioridade da equipa. Se a resposta é “ganhar, ganhar e ganhar” … Temos um problema. E é provável que este problema se transforme em manifestações de violência. A menos que se alterem os objetivos do clube. Para isso é preciso valor. É preciso apostar na formação dos jogadores através do desporto e não nos desviarmos desta linha. Tendo em conta que os jogadores bem formados, a longo prazo, competem melhor. E estão mais bem preparados para render a outro nível.
  • Definir junto dos pais determinadas linhas de atuação e comportamentos. O respeito por estas linhas orientadoras tem de ser uma condição inegociável para poder fazer parte do clube. Isto não se faz de uma única vez. É preciso lembrar aos pais com frequência e paciência quais são os valores do clube e controlar de forma a que esses “linhas vermelhas” não sejam ultrapassadas.
  • Dar o exemplo tomando a sério a formação dos jovens através do desporto. O comportamento do presidente e da sua direção, a sua atitude nos jogos, a sua compreensão, a sua capacidade de diálogo…e comunicação tudo isto é essencial para ser um autentico líder e arrastar todos na direção certa.
  • Tomar medidas adequadas para cortar pela raiz qualquer atitude que possa originar casos de violência, de tal forma que pais e treinadores entendam que é a sério e não se pode brincar com o assunto. Não importa quão bem joga o jovem. Tão pouco importa perder uma mensalidade. Se há que expulsar alguém, a liderança tem que ser forte. Temos de ser firmes. Isso sim, sempre com muito diálogo e procurando sempre o melhor para o clube.

Evitar que se deem batalhas campais durante um jogo de qualquer escalão de formação de Petizes a Juniores é possível. Simplesmente temos de atuar antes que seja demasiado tarde. Todos os clubes o podem conseguir. Depende unicamente deles, mas também, das entidades governamentais, das entidades responsáveis pelo Desporto e Futebol em Portugal.

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