Há 40 anos o Algarve tinha dois os três relvados naturais e quase todas as equipas jogavam e treinavam em recintos pelados. A formação fazia-se apenas a partir do escalão de iniciados e nalguns casos nem isso – em muitos emblemas só havia juvenis e juniores e noutros apenas juniores. Era assim aqui no sul e também no resto do país.

O Estádio de São Luís terá sido o primeiro da região a dispor de um relvado natural, mas destinado, salvo raras exceções, à equipa principal do Farense. E o mesmo sucedeu com o Portimonense, quando o pó deu lugar ao verde. O único clube que colocava as suas equipas da formação a jogar na relva era o extinto Grupo Desportivo Torralta.

Nos pelados, os miúdos treinavam-se ao fim da tarde, abrindo depois espaço para os seniores. Os clubes que contavam com mais do que uma equipa de formação faziam a necessária rotatividade – cada equipa tinha umas duas sessões de trabalho semanais.

Surgiram nos quadros competitivos outros escalões – os infantis e, depois, por aí abaixo – e um pelado, se já era exíguo para a atividade existente, deixou de dar resposta às necessidades. E mais ainda quando boa parte dos pelados foram dotados de piso sintético, a partir da década de 90, provocando um aumento exponencial (por existirem melhores condições para a prática do futebol) do número de jovens praticantes.

Mas transformar pelados em sintéticos não resolveu a enorme carência de espaço que já se fazia sentir. Os pequenos jogadores deixaram de preparar-se na lama, nas poças de água ou no pó – e que enorme avanço foi esse! – mas, como o número de equipas aumentou (e em muitos casos o mesmo sucedeu com o número de sessões de treino semanais), passaram a treinar-se muitas vezes num quarto do campo ou atrás de uma das balizas.

Os treinadores eram em muitos casos antigos jogadores sem qualquer formação (embora, muitos deles, com uma dedicação sem limites) e os que não se atualizaram foram dando lugar a gente mais jovem, qualificada e com outra preparação para lidar com jovens futebolistas, os clubes investiram no apoio médico, nos equipamentos para treinos e para jogos, mas o Algarve enferma de uma limitação – presente em quase todos os concelhos, embora de forma mais visível nuns e em menor escala noutros – que exige visão e, sobretudo, investimento. Investimento com retorno garantido, diga-se, pois cuidar bem dos jovens é cuidar do futuro.

O mais comum, em muitas localidades do Algarve, passa por um sintético servir dez ou doze equipas. Nalguns casos mais. O que se pergunta, sabendo de antemão a resposta, é o seguinte: por muita qualidade que os treinadores tenham, por muito empenho e dedicação que haja por parte dos dirigentes,quais os frutos desse labor? Sempre exíguos, sempre limitados, sempre sabendo-se que poderia ser feito muito mais, com pelo menos um outro campo disponível.

Os sintéticos não duram para sempre e nos últimos anos temos assistido à renovação dos pisos. Muito bem, era necessário. E quantos novos sintéticos de raiz surgiram no Algarve na última década? Contam-se pelos dedos de uma mão… E quantas novas equipas foram criadas no Algarve, nos escalões etários mais baixos? Não temos mãos que cheguem para as contar… Sim, o país passou por uma crise profunda, muitas autarquias ficaram endividadas, os recursos escassearam e escasseiam. Todos sabemos. Mas Portugal não parou… E basta ver os telejornais para vermos tantos e tantos recursos mal utilizados… Os jovens vão crescendo e precisam de fazê-lo de uma forma o mais saudável possível, com o desporto a assumir um (reconhecido) papel de relevo nesse processo, devendo, como tal, merecer a devida atenção.

Noutros países que também passaram por crises significativas, como a vizinha Espanha, são muitos os municípios que dispõem de parques desportivos com vários campos de futebol (não precisamos ir muito longe, basta visitarmos Ayamonte, Lepe ou Cartaya, bem perto da fronteira…). Isto para não falarmos no quadro que se nos depara na Holanda, na Alemanha, em França…

Aqui, temos o que se sabe. E fazemos verdadeiros… “milagres”. Muitos treinadores portugueses que brilham no estrangeiro já explicaram que estão melhor preparados para assumir desafios exigentes, comparativamente a colegas de outras nacionalidades, por terem crescido em quadros marcados por grandes dificuldades. É um pouco isso o que sucede com quem trabalha na formação, no Algarve.

Temos apenas um quarto de campo ou uma faixa atrás da baliza? Vamos trabalhar a pressão, o passe curto, situações de 2 para 2 ou de 3 para 3… De uma forma geral os treinadores têm qualidade – registou-se um enorme “upgrade” nesse domínio – e uma maior sensibilidade para o trabalho com a formação. E há muito talento, muito mesmo. Alguns jovens com larga margem de progressão são chamados pelos principais clubes nacionais ainda em tenra idade (a rede de observadores dos três grandes está espalhada por todo o país e o recrutamento é feito cada vez mais cedo…) mas, ainda assim, crescem por aqui muitos jogadores que, com mais espaço para treinos, registariam, seguramente, um crescimento assinalável.

Portimonense e Farense, os dois maiores clubes da região, têm extraído escasso aproveitamento da sua formação e, antes de procurarmos outras explicações, vejamos em que condições trabalham as suas equipas: o Portimonense dispõe apenas de um sintético (e em mau estado) para todas as equipas jovens, havendo agora a promessa eleitoral de que será construído um outro, e o Farense passa por ainda maiores limitações, pois tem de dividir o sintético da Penha, utilizado pelas suas equipas jovens, com outros clubes da cidade.

Por muito talento natural que alguns dos nossos jovens tenham – e sabemos que o têm – sem um trabalho capaz não conseguem desenvolver e aprimorar devidamente as suas qualidades. E não basta treinadores competentes e dedicados, com métodos modernos, não basta dirigentes esforçados, procurando proporcionar-lhes as melhores condições possíveis. São necessários verdadeiros parques desportivos, são necessários mais metros quadrados de sintético.

Crescer exige espaço. Sem essa sensibilização, sem esse passo, a formação do Algarve continuará a fazer “milagres”, mostrando um trabalho de qualidade, mas insuficiente para promover, com regularidade, jogadores que reúnam condições para se afirmarem nos principais campeonatos seniores. E é uma pena – um verdadeiro desperdício, pode afirmar-se com propriedade.

Fica o alerta. Quem sabe possa despertar algumas consciências…

A equipa do FDF agradece a partilha deste artigo à equipa do blog Algarve Sports

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