“Está a observar. A caminhar… A caminhar por aí. Isto é o que mais gosto.” Pep Guardiola sobre Lionel Messi

              No vídeo é percetível a forma apaixonada como Guardiola aprecia o caminhar de Messi. A cada passo Messi demonstra-se permanentemente ligado ao jogo. Está constantemente a olhar – “com olhos de ver” – em seu redor, permitindo-lhe retirar informação a todo o instante sobre o posicionamento dos adversários e dos companheiros de equipa.

              A partir desta informação começa a perceber onde há espaço e o que vai acontecer. Com base neste mapa mental sabe exatamente onde está a vantagem, em que momento e como entrar em ação.

“É como viver numa selva e ter de sobreviver.” Pep Guardiola sobre Lionel Messi

              A descrição de Guardiola sobre o comportamento de Messi em campo reflete fundamentos adquiridos/desenvolvidos/aperfeiçoados na academia La Masia (segundo o ex-diretor metodológico Joan Vilà Bosh): “ver”, “entender” e “decidir”.

              Este processo de análise, compreensão e decisão aliado à qualidade técnica soberba de Messi, permitem-lhe executar com perfeição a sua decisão, colocando-o no patamar dos melhores futebolistas de todos os tempos. Também para Pedro Bouças, criador e autor do site “Lateral Esquerdo”, a marca que distingue os melhores futebolistas é “ver”, “analisar” e “executar”.

              Corroborando o que foi referido acima, Jorge Valdano, na coluna semanal do Jornal A Bola “O jogo infinito” (publicada a 2 de novembro de 2019) define Messi da seguinte forma: “Se está a andar é porque está a pensar, quando recebe sprint com o cérebro e quando toma uma decisão ganha as partidas com a sua perfeição técnica.”

              No entanto, Valdano deixa claro que para que o talento de Messi se possa expressar (mesmo a caminhar) tem de existir um jogo coletivo posicional e de posse de elevada qualidade, onde a bola deve circular pelos diferentes espaços com ritmo, retirando ao adversário a possibilidade de ser pressionante, isto é, quando o adversário está a chegar para pressionar a bola já está a sair.

“Tê-la pouco e tocá-la muito”  Vítor Frade – Curar o Jogar

              Certamente Guardiola concorda com esta perspetiva.

              Com base nas ideias até aqui abordas, na minha opinião, no futebol de formação há que ter em consideração o desenvolvimento e potenciação de cada jogador na sua individualidade em dois aspetos fundamentais: a inteligência de jogo e a capacidade táctica; e a relação do corpo com a bola e a capacidade técnica.

O desenvolvimento do talento tem de ter como premissa que o jogo de futebol é coletivo. Nessa medida, é imperativo que esse processo se desenvolva entrelaçado numa proposta de jogo coletiva de qualidade.

Do meu ponto de vista uma proposta de jogo coletiva de qualidade é aquela que permite que a equipa e que cada jogador possa desfrutar do jogo tendo a bola. Pois foi pela bola que a paixão de todos os jogadores começou. E é quando a bola se torna o elemento central para a equipa e para cada jogador que a alegria pelo jogo se evidencia.

“Queremos ter a bola para jogar e desfrutar.” Johan Cruyff

“Quando começas a correr atrás da bola e não chegas é quando dás conta o que gostas e o que não gostas.” Quique Setién

Com o intuito de aprofundar esta temática recordo parte do meu relatório de estágio realizado na equipa de sub-19 da Associação Académica de Coimbra / OAF, SDUQ, intitulado “O Desenvolvimento do Talento”, no qual, com base em diversos autores, abordei esta “dicotomia” do futebol de formação: formar jogadores “vs” formar equipas.

No futebol de alto rendimento, o jogador tem de saber lidar com os seus interesses individuais e os interesses do grupo (Serrado, 2015). Sendo que o treino deve orientar-se para a construção da equipa, ou seja, para o coletivo (Garganta, 2018).  Todavia, como referem Larsen e colaboradores (2014) para fazer chegar os jogadores ao patamar profissional é necessária uma perspetiva holística e ecológica. Com o intuito de os potenciar na sua individualidade e otimizar o envolvimento que rodeia os próprios jogadores e a equipa.

Corroborando, para Carvalhal (2014) o coletivo deve estar em primeiro lugar, porém o coletivo não deve castrar o potencial do jogador. Nesse sentido, em particular na formação, mesmo numa modalidade de expressão coletiva, como o futebol, o sucesso coletivo não deve colocar em causa o desenvolvimento do potencial individual (Carvalhal, 2014; Garganta, 2004). Sendo importante direcionar a atenção para o jogador, de maneira a possibilitar o desenvolvimento de cada um, no sentido de lhes proporcionar o acesso a patamares de alto rendimento (Garganta, 2008, 2018). Neste âmbito, Guilherme (2011) relembra que aquando do fim do processo formal de formação, os jogadores são avaliados pela sua qualidade individual e não pelo que vale a sua equipa.

De tal modo, Pacheco (2016) alerta que os treinadores da formação devem ter como objetivo principal a formação de jogadores para o futuro. Sendo que esse objetivo deve ser procurado, sem esquecer que a formação de jogadores implica a preparação para o jogo, que é coletivo (Guilherme, 2011).

Assim, o treino não deve procurar clonar jogadores, mas antes oferecer a possibilidade de cada um se exprimir na sua individualidade ainda que inseridos num contexto coletivo (Garganta, 2004). Neste sentido, Guilherme (2011) refere que na formação não se pode descurar o coletivo, porém, também, não se deve esquecer o individual e as suas caraterísticas particulares. Pois, citando Guilherme (2011, p. 5) “É ele que joga, que dá vida ao jogo, que interage, fazendo emergir um novo jogador e uma nova equipa. Como tal, temos que lhe dar a importância que ele merece, que é toda.”

Neste âmbito, segundo Adelino (2006), de forma a proporcionar uma experiência de qualidade, o percurso de formação deve ser centrado no praticante. Corroborando, Guilherme (2011) refere que o processo de treino deve fomentar a qualidade de jogo, oferecendo aos jogadores a possibilidade de expressar a sua individualidade e focalizando-se na potenciação das suas competências e na melhoria das suas debilidades. Reforçando esta ideia, Carvalhal (2014) alude que se devem considerar as necessidades e interesses de cada jogador, oferecendo a possibilidade de se desenvolverem, ganhando confiança naquilo que sabem fazer bem. Segundo Pereira (2014), as crianças e jovens devem tornar-se especialistas no que melhor fazem. Sendo que o treinador deve ser capaz de despertar o melhor que cada um tem para dar (Carvalhal, 2014).

Mills e colaboradores (2012) expõem que as academias existem, fundamentalmente, para formar jogadores e não equipas. Concluindo, para Guilherme (2011), o foco central na formação deve ser o jogador, tendo a formação do jogador como base de sustentação a equipa.

 Bibliografia:

Adelino, J. (2006). Chega de reflexão: É preciso agir. In M. C. e. Silva, C. E. Gonçalves & A. Figueiredo (Eds.), Desporto de jovens ou jovens do desporto? (pp. 197-210). Coimbra: Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física – Universidade de Coimbra.

Carvalhal, C. (2014). Entre linhas (1 ed.). Lisboa: Prime Books.

Garganta, J. (2004). Atrás do palco, nas oficinas do Futebol. In J. Garganta, J. Oliveira & M. Murad (Eds.), Futebol de muitas cores e sabores. Reflexões em torno do desporto mais popular do mundo (pp. 227-234). Porto: Campo das Letras.

Garganta, J. (2008). Modelação táctica em jogos desportivos: A desejável cumplicidade entre pesquisa, treino e competição. In F. Tavares, A. Graça, J. Garganta & I. Mesquita (Eds.), Olhares e Contextos da Performance nos jogos desportivos (pp. 108-121). Universdade do Porto: Faculdade de Desporto.

Garganta, J. (2018). Desenvolvimento e a identificação do talento no futebol. Federação Portuguesa de Futebol   Consult. 29 jan 2018, disponível em http://www.fpf.pt/pt/News/Todas-as-not%C3%ADcias/Not%C3%ADcia/news/14372

Guilherme, J. (2011). Formar, quem? Treino Científico, 3, 4-5.

Larsen, C. H., Alfermann, D., Henriksen, K., & Christensen, M. K. (2014). Preparing footballers for the next step: An intervention program from an ecological perspective. The Sport Psychologist, 28(1), 91-102.

Mills, A., Butt, J., Maynard, I., & Harwood, C. (2012). Identifying factors perceived to influence the development of elite youth football academy players. Journal of Sports Sciences, 30(15), 1593-1604.

Pacheco, R. (2016). Uma visão sobre a formação de futebolistas. Treino Científico (27), 17.

Pereira, N. (2014). O desenvolvimento de um jogador de top e a construção de um talento. Maia: Nuno Pereira. Relatório de Estágio.

Serrado, R. (2015). Lionel Messi: O futebolista que joga no futuro – como a natureza humana pode explicar o futebol. Lisboa: Edições Vieira da Silva.

2 Comentários

  1. Guilherme Rodrigues Freire
    25 Julho, 2020
    Responder

    Queria esse artigo por favor… Meu e-mail guicanavarro@Gmail.com!

    • Bruno Domingues Pereira
      29 Julho, 2020
      Responder

      Boa noite Guilherme. Irei fazer-lhe chegar o artigo. Obrigado pela leitura e interesse! Cumprimentos, Bruno Pereira

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