Artur Jorge Alves natural de Braga e há seis anos em Inglaterra foi considerado pela Federação Inglesa de Futebol o melhor treinador de formação de clubes não profissionais em todo o país.

Treinar crianças é uma paixão e uma responsabilidade.

Como surgiu a oportunidade de treinar em Inglaterra?

Tive a oportunidade de concluir o meu estagio final do Curso Superior de Desporto e Lazer numa escola nos arredores de Londres, Watford, onde dois colegas portugueses me abriram as portas e aos quais ficarei eternamente agradecido. Nessa altura ainda não havia muitas certezas quanto ao futuro profissional mas após a experiência vivida, nomeadamente as condições de trabalho e o facto da minha companheira já estar a trabalhar por cá, fez com que uma curta experiência se prolongasse por tempo indeterminado.

Depois de treinar em Portugal –  a Inglaterra, que diferenças existem ?

Dei os meus primeiros passos como treinador a convite do clube que representava como atleta o Merelinense FC que teve um papel fundamental no meu crescimento e me fez despertar a paixão pelo futebol de formação que era o seu expoente máximo na altura. As diferenças que encontrei foram enormes, começando pelas formações necessárias e as obrigatórias(extra futebol)  para poder pisar um campo de futebol com jovens atletas.  Sobre isto tinha muitas historias para contar, mas quero realçar os certificados extra e obrigatórios, tais como o Curso de Protecção de menores/ Primeiros socorros/CRB, isto e, registo criminal actualizado o qual tem que ser renovado frequentemente.  Também a grande diversidade cultural que requer uma atenção especial em muitos e diversos aspectos. Outro grande desafio foi a adaptação a uma nova língua, em especial os termos técnicos e expressões utilizadas pelos locais, e a própria cultura futebolística, entre outros.

Acha que os miúdos nascem com o dom ou compete aos treinadores desenvolverem e essas capacidades inatas se é que existem, o que pensa sobre isto?

Pergunta complexa. Acredito que todos tem  as suas características especiais, o que me fascina bastante, e estas podem ser melhoradas e refinadas com a nossa ajuda. Como formadores temos que dar o espaço necessário para cada atleta explorar essas características e cabe-nos a nós como treinadores ‘aproveitar’ ao máximo essas características e ensinar em como/quando e em que situação de treino/jogo devem ser postas em prática de forma mais proveitosa para o crescimento do atleta.

Em relação a esta questão não há melhor exemplo que o novo projecto que estou envolvido, Coerver Coaching, no qual trabalhamos as qualidades técnicas de cada atleta os chamados skills onde tentamos potencializar ao máximo cada uma usando como exemplo os melhores atletas do futebol mundial.

Como são os quadros competitivos dos escalões de formação em Inglaterra?

Os quadros competitivos tem variado bastante desde que cá cheguei isto também se deve, na minha opinião ao clima de instabilidade e incerteza na própria federação. No futebol amador dos Sub-6 aos Sub-10 acabaram as ligas e passaram-se a jogar torneios e jogos amigáveis. Nos restantes escalões tem as ligas de Sábado e de Domingo na qual a esta última e normalmente reservada para as equipas mais fortes.

Dentro destes, dos Sub-6 a Sub-8 jogam futebol 5, dos Sub-9 a Sub-11 jogam futebol 7, dos Sub-11 a Sub-14 jogam futebol 9 e daqui para cima começam com futebol 11. São milhares de equipas espalhadas só pela zona de Londres, isto e, pelas enumeras ligas só nesta zona central onde um simples clube amador pode ter cerca de 600 ou mais atletas. Em relação às academias dos clubes profissionais todos eles jogam entre si em jogos amigáveis, torneios nacionais ou internacionais. Os escalões destas academias, assim como em Portugal, estão divididos em vários planteis consoante a qualidade dos seus atletas para assim manter o nível competitivo em cada prova a disputar.

Acha que presentemente o facto de existir um Cristiano Ronaldo e um Messi, influência o futebol de formação? Haverá alguma mudança no futebol após o términus da carreira destes dois jogadores?

Sem dúvida. Ambos inspiram milhões de jovens atletas por todo mundo e a sua motivação para melhorar a cada dia contagia o mundo do desporto. Ronaldo e Messi vão deixar um marco inigualável na história do futebol e acredito que vão ser importantes e vão continuar a ser grandes modelos para o futebol de formação no futuro. Espero que deste modo e cada vez mais os clubes acreditem na formação de jovens atletas e criem as condições necessárias para o seu crescimento.

Como é um dia normal de trabalho? Ao nível das condições de treino falta-lhe alguma coisa ? Qual é o rácio normal de jogadores para cada treinador?

O meu dia normal de trabalho começa sempre bem cedo, por volta das 6:15am, e depois  varia com o decorrer da semana porque não trabalho só nas academias mas também como Técnico de Desporto/Treinador de Futebol em escolas. Em Londres com o curso de treinador podemos trabalhar nas escolas para leccionar a mesma modalidade ou outras que nos sintamos confortáveis para o fazer. Os próprios grandes clubes como o Chelsea, para o qual trabalho, tem treinadores espalhados pelas escolas da sua zona a representar o clube e a ensinar a modalidade. Isto para ter uma ideia do extra academia, estas aulas serão durante a manha e inicio da tarde.

No que diz respeito às academias, chego às instalações normalmente uma hora antes do treino começar, as sessões tem a duração de 90min. Podemos dar 1 ou 2 treinos de 90min depende da academia, normalmente nas primeiras sessões trabalham os atletas dos Sub-6 aos Sub-11 e na seguinte Sub-13 aos Sub-16. Isto decorre de segunda a sábado. Não posso deixar de mencionar que o numero de interrupções lectivas é grande e nesses períodos trabalhamos todo o dia com os atletas, nos chamados campos de férias, trabalho técnico da parte da manhã e jogo na parte da tarde. O rácio de jogadores por treinador é de 16 para 1 por lei, nas nossas academias tentamos manter 10/12 para 1 nos Sub-8.

Nestas academias as condições são muito boas em termos de organização, equipamento, staff e todo o planeamento. Temos uma boa pareceria com a Adidas que além de nos fornecer todo o material de trabalho também nos abriu portas para trabalhar com os seus clubes parceiros nomeadamente Real Madrid, Chelsea, Bayern Munique, Benfica entre outros.

Qual o papel dos pais nos treinos e nos jogos? Há paralelismo com o que se vê na premier league?

Nos clubes amadores é muito frequente distribuir tarefas pelos  pais dos atletas mas depende muito do contexto social envolvido. Durante o jogo vibram bastante e a forma de viver o jogo sem duvida se assemelha aos jogos da Premier League. Avaliação dos lances, vibrar com uma transição ofensiva, um canto..etc.

O que significou para si o prémio de melhor treinador de futebol de formação para equipas não profissionais?

Foi um misto de emoções incrível. Significou que toda a dedicação, esforço, os muitos sacrifícios passados foram reconhecidos e premiados pelo órgão máximo do futebol Inglês. Acima de tudo poder orgulhar as pessoas que sempre estiveram ao meu lado e me ajudaram a ultrapassar as dificuldades que foram surgindo pelo caminho.

Como a Federação Inglesa faz essa avaliação?

A Empresa desportiva que detinha o clube que representava tinha recebido vários prémios nacionais pelos seus serviços prestados. Tive dois anos muitos bons onde fui eleito o melhor treinador 2 anos consecutivos onde tive muitos atletas a serem observados por alguns dos maiores clubes de Londres. Além disso, tínhamos dois actuais tutores da London FA a trabalhar connosco diariamente que lhes permitiu acompanhar de perto o meu trabalho.

Qual a estrutura de um clube ao nível do futebol de formação, existe a figura do coordenador?

No futebol de formação não profissional depende muito da dimensão clube. O mais normal: Presidente,Director da Academia, Coordenador, Secretário, Treinadores, Treinadores Assistentes.

Extras: Coordenador da Formação dos treinadores, Treinadores para maximizar a técnica(Skills Coaches). Estes extras só numa pequena minoria mas que aos poucos vai crescendo na minha opinião devido a maior abertura à mudança do sistema tradicional.

Ao nível da cultura desportiva que diferenças encontrou entre Portugal e Inglaterra?

Ambos temos uma grande paixão pelo desporto mas claramente manifestamos de maneira diferente. No que diz respeito ao dirigismo não há comparação possível porque como sabemos passamos tempos difíceis em Portugal. Aqui o mesmo não se verifica, até porque a própria Federação tem regras e respectivas sanções que nunca o permitiriam. A atenção prestada ao futebol pela  comunicação social e bem diferente também. Só para terem uma ideia não existem jornais desportivos em Inglaterra e os programas desportivos são, regra geral, muito bons, onde se fala e respira futebol, analisando taticas, lances, etc, o jogo pelo jogo.

Não quero com isto generalizar porque temos excelentes profissionais em Portugal tanto ao nível da comunicação social como ao nível das instituições profissionais e amadores que com poucos recursos fazem um trabalho sério e desenvolvem a modalidade no nosso pais. Não posso deixar de elogiar o excelente trabalho que tem sido feito no futebol de formação em Portugal com impacto no futebol mundial. Sei por experiência própria que quem lá anda e na sua maioria motivado pela paixão ao futebol. Em relação aos adeptos a forma entusiasta como aqui apoiam as equipas, como vibram a cada lance, analisam os jogos focando-se nos pontos positivos do mesmo, raramente falando das arbitragens. Resumindo, o dia de jogo é um dia de festa em família/amigos. Na minha opinião a diferença é grande para Portugal e acredito que todos estes factores que mencionei contribuam para que os estádios estejam sempre cheios.

Segue o site FDF Futebol de Formação, como avalia o nosso trabalho e ocorre-lhe alguma sugestão?

Como já tivemos a oportunidade de conversar desconhecia a vossa pagina até à bem pouco tempo. Desde então, tenho acompanhado diariamente os excelentes artigos nela publicados e ainda mais em especial por me permitir acompanhar mais de perto a evolução do Futebol de Formação no meu país. Quero aproveitar para congratular todas as pessoas envolvidas neste excelente projeto e agradecer a amizade de muitos vocês que me vai permitir trocar ideias e continuar a aprender. Um bem haja a todos.

Artur Jorge Alves - O nosso entrevistado

Data de Nascimento: 19/11/1983
Naturalidade: Braga
Clubes representados:  Merelinense F.C(Toda a Formação/Futsal sénior), Realense FC(Futebol sénior) Greenhouse Sports
Cargo: Treinador/Coordenador técnico
Curso/Formação: Desporto e Lazer, FA Level 2, Youth Module 3(especifico para formação equivale Uefa B na área) Coerver Youth Diploma 1
Clube: Coerver Coaching, Ellite Soccer Development, Chelsea FC

3 Comentários

  1. wil gomes
    23 Junho, 2017
    Responder

    Youth module 3 equivale a Uefa B!?
    Uefa B é Uefa B em qq país europeu, n há equivalências… esse youth module é um caminho diferente.

  2. Joel cruz
    24 Junho, 2017
    Responder

    Aqui em Portugal temos também extra para quem quer .
    Academia chamasse I.F.T
    Individual football treining

Responder a wil gomes Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado.

Anterior Dirigentes, Pais e Atletas
Próximo Vítor Santos colaborador do FDF faz apresentação do seu trabalho a pais de atletas no Luxemburgo