A Comunicação do Treinador no Futebol de Formação


Andrea Pirlo num treino de crianças (fonte: www.record.xl.pt)

Introdução

Segundo o dicionário de língua portuguesa, comunicar é: (i) «ação de dar a conhecer, divulgar ou informar»; (ii) «colocar-se em contacto ou relação com outrem»; (iii) «ato de transmitir ou contar alguma informação ou dado novo a alguém». Em qualquer área de atividade humana que envolva dois ou mais indivíduos, comunicar assumirá sempre um papel central no produto dessa relação. No futebol, designadamente na formação da criança e do jovem adolescente, esta premissa não foge à regra. Comunicar não é somente necessário, é determinante. Deste modo, os treinadores, como qualquer professor, educador ou formador, antes de perceberem da sua área de competência (no caso, o futebol), devem entender a importância do ato de comunicar e sobretudo saber fazê-lo, nunca deixando de tentar suprimir as suas lacunas (todos nós as temos!). Este artigo tem como propósitos (1) justificar porque é que é a comunicação é particularmente importante para os treinadores de futebol infantojuvenil e (2) apresentar algumas sugestões passíveis de melhorar a intervenção dos treinadores junto dos principais alvos do processo formativo: as crianças e os jovens.

O papel central da comunicação

Os seres humanos não comunicam só através de palavras, verbalizadas ou escritas. A mera postura do treinador a acompanhar um exercício de treino ou um jogo denuncia muita coisa: atenção, interesse, aborrecimento, exaltação, alegria, descomprometimento, respeito, etc. Essa postura «contagia», positiva ou negativamente, os miúdos. No cômputo geral, a comunicação ocorre de múltiplas formas e quase em permanência, daí possuir um papel central neste processo (figura 1).

Figura 1. O papel central da comunicação no futebol de formação.

A entoação que é colocada nas palavras, a expressão facial, os gestos e os trejeitos podem ter um impacto superior à própria semântica da mensagem. Recentemente, a famosa atriz norte-americana Meryl Streep afirmou que «o desrespeito convida ao desrespeito» e o treinador, enquanto modelo de referência para as crianças e jovens, não pode ignorar que a atitude se comunica. Uma atitude positiva, frontal e de abertura para o diálogo é o primeiro passo para evitar ressentimentos e mal-entendidos futuros. Feedbacks negativos, insultos e repreensões constantes trazem efeitos nefastos para a autoestima, confiança e motivação, comprometendo a aprendizagem e a evolução do jovem aprendiz de futebol. Na mesma lógica, alegria causa bem-estar, empenho induz trabalho e paciência proporciona segurança, fatores estes reconhecidos por fomentar um ambiente de treino propício para a aquisição de habilidades específicas e de competências de caráter geral.

A falta de comunicação entre os diversos agentes do futebol de formação é uma realidade em grande parte dos clubes portugueses. Neste particular, há quem assuma a existência de um afastamento deliberado entre o treinador/equipa técnica e os pais/encarregados de educação. É certo que o encarregado de educação não se deve imiscuir nas funções do treinador (e vice-versa), contudo, a comunicação entre eles contempla – mais uma vez – um papel nuclear para ocasionar sinergias e esforços complementares em prol de um bem comum: a educação da criança/jovem. Se o objetivo é mesmo formar o/a miúdo(a), desportiva e pessoalmente, através do futebol, então a comunicação entre os vários agentes envolvidos no processo impõe-se como imprescindível.

Como melhorar a comunicação do treinador?

Há dias ouvi a expressão: «o treinador não é um super-herói». Concordo totalmente! Embora as suas funções incluam tarefas bastante diversificadas, não tem obrigatoriamente de ser um perito em psicologia, sociologia, fisiologia e biologia humanas, primeiros socorros, etc. Antes de tudo, o treinador deve rodear-se de colaboradores que o auxiliem no processo de treino e nas inúmeras solicitações às quais tem de corresponder extra treino/jogo. As sugestões que a seguir propomos visam, em primeiro lugar, consciencializar o treinador das suas capacidades como comunicador. Posteriormente, os feedbacks recolhidos deverão originar estratégias para atenuar as suas lacunas e potenciar as suas valências. A maioria das recomendações é exequível em qualquer clube/escola de futebol, a saber:

1) Considerar a possibilidade de ter um psicólogo e/ou um sociólogo a colaborar no departamento de formação do clube ou na escola de futebol.

Treinadores, não sejamos presunçosos. Ter um profissional destas áreas a colaborar connosco é uma mais-valia inegável. Qualquer um deles, ou ambos, fazem-nos observar coisas que, por norma, não nos apercebemos em relação ao nosso comportamento e às dinâmicas relacionais que se geram entre as crianças/jovens. Por exemplo, através de jogos lúdicos, avaliações retrospetivas, análises sociométricas ou de rede, podemos detetar problemas nas interações entre os miúdos e, por inerência, adotar uma comunicação mais consentânea com a especificidade da situação.

2) Filmar as sessões de treino e os jogos para avaliar a comunicação com as crianças/jovens e com os outros agentes desportivos (árbitros, treinadores adjuntos, delegados, etc.).

Recolher imagens sobre a própria intervenção é uma ferramenta poderosa para a autoavaliação do treinador. É espantosa a quantidade de ilações que podemos retirar da nossa comunicação. Criar uma ficha de observação é útil para compreender quais são os pontos menos bons e se estão a ser resolvidos ao longo do tempo. O grande entrave é que o treinador do futebol de formação raramente tem recursos e/ou disponibilidade para se rever a si próprio.

3) Elaborar uma breve autoscopia no final de cada sessão de treino, jogo ou microciclo semanal, colocando ênfase em aspetos relacionados com a comunicação.

A autoscopia tem o condão de estimular a reflexão sobre o que foi feito e como deveria ter sido feito: «Será que procedi bem? Poderia ter comunicado de outra forma?» Basicamente, tomar consciência do erro ajuda a encontrar estratégias para eliminá-lo.

4) Solicitar às crianças/jovens que preencham um questionário simples, sob anonimato, avaliando a comunicação do(s) treinador(es) durante os treinos e os jogos.

Há melhor feedback que aquele dado pelos principais alvos da nossa comunicação? Gostam ou nem por isso? O que acham que o treinador poderia melhorar? Concordando ou não com as respostas, é um tópico que merece a reflexão de todos nós.

5) Os coordenadores técnicos devem realizar reuniões ocasionais (p. ex., mensalmente) para debater, entre outras situações, fatores relacionados com a comunicação dos treinadores da formação do clube.

Na impossibilidade de haver um psicólogo e/ou sociólogo a colaborar com os treinadores, o coordenador técnico é o agente mais bem posicionado para o fazer. A crítica construtiva, o debate de ideias e a partilha de vivências entre treinadores são meios valiosos para lidar com problemas comunicacionais que possam estar a ocorrer, inclusive quando não são percetíveis para o próprio treinador.

6) Agendar reuniões esporádicas (p. ex., trimestralmente) com os pais/encarregados de educação no intuito de receber feedbacks sobre a comunicação que se estabelece no clube/escola de futebol, a propósito do processo de formação dos seus educandos.

Os pais/encarregados de educação conhecem os filhos melhor do que nós. Na minha perspetiva, é relevante saber o que é transmitido pelos jovens aos pais, pois nem sempre revelam o que sentem aos treinadores. Conhecer o indivíduo, a sua personalidade, o aproveitamento escolar, os hobbies, etc., faz com que possamos adaptar a nossa comunicação às particularidades de cada praticante. Por sua vez, dialogar com os pais permite-nos entender aspetos subliminares que possam estar a condicionar os miúdos no treino e nos jogos como, por exemplo, a questão das expectativas.

7) Comunicar bem não implica falar muito.

Já diz o provérbio português: «tudo o que é demais, não presta». Qualidade e quantidade não são sinónimos. Depois de um dia de aulas na escola, é contraproducente massacrar as crianças e os jovens com muitos conteúdos específicos, objetivos ou outras informações. Os miúdos querem é jogar futebol, divertir-se e aprender. No fundo, comunicar bem é transmitir a mensagem certa, no momento certo. A mensagem pode perfeitamente passar por um feedback avaliativo positivo projetado num simples sorriso ou numa ação de bater palmas.

8) Adotar uma «comunicação positiva».

Como referimos anteriormente, se o treinador transmitir entusiasmo, alegria, preocupação, seriedade e interesse gerará uma atitude mais «positiva» nos jovens praticantes de futebol. Em última instância, esta atitude tornará a aprendizagem do jogo (e não só) muito mais efetiva e célere.

Conclusão

Comunicar é um ato social que o ser humano sentiu necessidade de desenvolver ao longo da história. Todos nós comunicamos, é verdade, mas nem sempre bem. Quantos de nós pensam, no dia-a-dia, em estudar e aperfeiçoar os modos de comunicar? Comunicar bem possibilita consolidar e reforçar uma base de cooperação que terminará com um produto de melhor qualidade. O produto, neste âmbito, é a formação de crianças e adolescentes através do futebol. Embora não seja uma garantia de «elitismos» ou «altos rendimentos» no futuro, saber comunicar no processo de formação desportiva, seja no futebol ou em qualquer outra modalidade, pode fazer toda a diferença na educação dos jovens desportistas.

2 Comentários

  1. Professor romario fernades
    17 Fevereiro, 2019
    Responder

    Muito bom preciso melhorar nesse quesito comunicaçáo

    • lino Santos
      3 Junho, 2019
      Responder

      Muito bom. A comunicação saudável é fundamental no desenvolvimento desportivo da criança. Em muitos casos é decisiva a continuidade ou não da criança na modalidade, quer seja positiva, ou negativamente.

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